24/02/2013 – Ainda a falta de creches, editorial O Estado de S. Paulo

24 de fevereiro, 2013

(O Estado de S.Paulo) A oferta imediata de vagas em creches públicas, em número suficiente para atender toda a demanda, é uma obrigação constitucional. Está na Emenda número 59, de 2009. Mas a lei, ora a lei, muitas vezes só existe para lembrar que a incompetência administrativa supera com sobras a chamada “vontade do legislador”. Agora se chegou ao cúmulo de matricular crianças em creches que nem sequer existem, como acontece no Município de São Paulo. Tal situação vem culminar um descalabro que não conhece fronteiras – no País todo, em todos os níveis administrativos, é patente o descaso com os pais de famílias pobres que não têm com quem deixar seus filhos pequenos quando saem para trabalhar.

Todo ano de eleição, o fenômeno se repete religiosamente: candidatos acotovelam-se em palanques prometendo uma profusão de creches, pois sabem que se trata de uma necessidade urgente. Uma vez eleita, porém, essa turma se esmera em desculpas esfarrapadas para deixar a promessa em algum canto empoeirado de seu gabinete, enquanto obras de importância questionável, como os estádios da Copa de 2014, erguem-se imponentes e são inauguradas com pompa por orgulhosas autoridades – a presidente Dilma Rousseff incluída.

Foi Dilma, porém, que, na campanha presidencial, jurou que construiria 6.427 creches em quatro anos. Seria necessário, para cumprir essa fabulosa oferta, inaugurar 5 creches por dia. Terminados dois anos do mandato, Dilma entregou menos de 10, ao todo.

No final de janeiro, a presidente anunciou a liberação de novas verbas para tentar acelerar a construção de creches, dando um bônus para as vagas destinadas aos filhos de famílias atendidas pelo Bolsa-Família. A presidente disse esperar colaboração maior das prefeituras – o governo federal atribui aos prefeitos parte da responsabilidade pelo atraso na construção de unidades, ou porque demoram a apresentar projetos para receber o financiamento ou porque cometem irregularidades diversas.

Nem as mais de 6 mil creches prometidas por Dilma – mesmo que por milagre saltassem do papel para a vida real – dariam conta do déficit atual no País, que está em torno de 20 mil. Isso é resultado de décadas de inépcia. Na capital paulista, há quase 4 mil crianças matriculadas em escolas e creches que ainda não foram entregues.

A atual administração, de Fernando Haddad (PT), culpa a gestão anterior, de Gilberto Kassab (PSD), dizendo que ela cortou verbas destinadas à conclusão das obras, atrasando o cronograma, e ainda por cima matriculou crianças de modo irregular. Por meio de assessores, o ex-prefeito disse que teve de aceitar as matrículas para que “o atendimento fosse dimensionado” e que seu sucessor conhecia o cronograma das obras. É o tradicional jogo de empurra.

Agora, segundo a Secretaria de Educação, 1.600 crianças matriculadas nas creches que não existem devem aguardar o surgimento de vagas verdadeiras. No caso dos alunos inscritos em pré-escola, as famílias poderão aguardar o fim das obras ou matricular seus filhos em outras unidades – que, naturalmente, ficarão superlotadas.

Somente na cidade de São Paulo, há 94 mil crianças cadastradas à espera de uma vaga em creche, e calcula-se que a demanda real supere 100 mil. Em nível nacional, dados do governo federal indicam que menos de 20% das crianças de até 3 anos estão matriculadas. Esse cenário contraria o Plano Nacional de Educação encerrado em 2010, que fixara como meta ampliar essas matrículas para 50% até 2011. Agora, a mesma meta ficou para 2020.

A necessidade de que essa demanda seja atendida o mais rápido possível é óbvia, não só porque é obrigação legal do Estado dar atendimento às famílias pobres com filhos pequenos, mas porque as creches são a primeira etapa da educação básica. Ademais, para um país que tem uma mulher na Presidência, já deveria ter ficado clara a importância de permitir que as mães tenham um lugar adequado para deixar os filhos e, assim, possam estudar e trabalhar como todos os outros cidadãos.

Acesse em pdf: Ainda a falta de creches, editorial O Estado de S. Paulo (O Estado de S. Paulo – 24/02/2013)

 

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