Feministas exigem a retirada da MP 557, que cria o cadastro nacional da gestante

23 de janeiro, 2012

(Agência Patrícia Galvão) O movimento feminista, por meio de suas articulações e redes nacionais, pressionam o governo e o Ministério da Saúde pela imediata revogação da Medida Provisória nº 557, assinada pela presidenta Dilma Rousseff e pelos ministros Alexandre Padilha, Guido Mantega e Miriam Belchior, e publicada em 26/12/2011.Segundo as organizações feministas – Articulação de Mulheres Brasileiras, Marcha Mundial de Mulheres e Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, além de impedir o debate democrático sobre o seu conteúdo, a MP é “ineficaz, inconstitucional, viola direitos e reforça a criminalização das mulheres”.
A MP 557 entrou na pauta da reunião do Conselho Nacional de Saúde do dia 25/01, às 14h, em Brasília, com a presença do ministro Alexandre Padilha e transmissão ao vivo pelo site do Conselho.

Indicação de fontes
Beatriz Galli – advogada e integrante das comissões de Bioética e Biodireito da OAB-RJ

(21) 8723.8223

Clair Castilhos – secretária executiva da Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
(48) 3233.2516 / 3269.2460 – [email protected]

Guacira de Oliveira

– socióloga do Cfemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria) e integrante da Articulação de Mulheres Brasileiras
(61) 3224.1791 / 9984.5616

Nalu Faria – SOF – Sempreviva Organização Feminista e integrante da Marcha Mundial de Mulheres
(11) 3819.3876 / 9297.6012

 
Leia a seguir as notas na íntegra:


Articulação de Mulheres Brasileiras

NOTA PÚBLICA pela imediata revogação da Medida Provisória nº 557 e em defesa da Maternidade Livre e da Autonomia das Mulheres e da Política de Atenção Integral à Saúde das Mulheres

Vimos a público expressar nossa indignação e repúdio ao conteúdo da Medida Provisória nº 557, assinada em 26/12/11 pela presidente Dilma Roussef e pelos ministros Alexandre Padilha, Guido Mantega e Miriam Belchior, tendo sido publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte. Com essa Medida, o governo federal cria um cadastro nacional obrigatório para toda mulher gestante e puérpera (mulheres que pariram recentemente), sob a falsa justificativa de prevenir a morte materna no país.

  • Consideramos que a mortalidade materna é um problema crucial, e que demanda mais recursos, mais médicos, mais informação, mais tratamento especializado. O controle e a vigilância precisam ser feitos sobre os serviços de saúde e não sobre as mulheres.
  • A Medida Provisória 557 atenta contra a democracia. Todas/os sabemos que medidas provisórias, por não não permitirem resoluções construídas democraticamente, deveriam ser usadas exclusivamente para questões de justificada urgência. O que não é o caso.
  • A MP 557 foi editada no período de recesso do Congresso Nacional e sem debate com organizações da sociedade civil que, há décadas, têm contribuído para a formulação de políticas públicas no campo da saúde da mulher.
  • A voz das mulheres comprometidas nesse debate durante o Governo Dilma está sendo desconsiderada por esta Medida, assim como têm sido desconsideradas todas as críticas consistentes que organizações do movimento feminista brasileiro têm elaborado e expressado sobre a “Rede Cegonha”.
  • A implementação dessa rede se faz à revelia e em detrimento da Política de Assistência Integral à Saúde da Mulher, esta sim a política de saúde que queremos para as mulheres brasileiras: a que poderá assegurar saúde, dignidade e autonomia para nós, mulheres.
  • O conteúdo da MP fere a Constituição Federal por introduzir na legislação a figura jurídica do nascituro, que não tem condição de existência como indivíduo autônomo.
  • Neste sentido, a edição da Medida é uma vergonha para o nosso país. Anos atrás, o Brasil foi liderança entre os países latino-americanos, com posições progressistas em favor dos direitos das mulheres. A atual política do governo federal coloca o Brasil entre os governos que abandonam a perspectiva dos direitos humanos e direitos reprodutivos para as mulheres.
  • É imperativo destacar que o Estado brasileiro sofreu condenação internacional, recentemente, pelo Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (Cedaw) no caso da brasileira Alyne da Silva Pimentel, por ter violado suas obrigações em relação ao acesso à saúde, num caso de morte materna perfeitamente evitável.
  • Exigimos do Governo Federal o respeito às deliberações de Conferências Nacionais de Políticas Públicas e aos processos de participação social que estas propiciam, por convocação do próprio Governo Federal. E também aos Tratados Internacionais assinados pelo Estado brasileiro, com os quais os governos se comprometem a garantir o acesso das mulheres brasileiras aos direitos reprodutivos e aos direitos sexuais.
  • A MP viola os direitos humanos e atenta contra a autonomia das mulheres ao criar um novo cadastro obrigatório para o atendimento durante o pré-natal. O próprio Ministério da Saúde reconhece que toda gestante que vai a uma unidade de saúde do SUS já faz um cadastro. Deste modo, a MP tem um caráter discriminatório: a mulher grávida que não fizer o novo cadastro não terá acesso ao serviço de saúde, nem ao benefício de R$ 50,00 introduzido pela MP. Da forma como está sendo implantado, o benefício atenta contra a dignidade das mulheres, tem um caráter controlador, reduzindo-nos à ideia de uma incubadora.
  • O atendimento na rede pública de saúde para nós mulheres precisa considerar mais amplamente nossos direitos. E no que diz respeito ao acompanhamento daquelas que são atendidas nos hospitais privados, cabe ao Ministério da Saúde viabilizar, por meio de Portaria ou outro instrumento, as condições para o controle, vigilância e acompanhamento das gravidezes de risco.
  • A MP desconhece o aborto como uma das principais causas da mortalidade materna no Brasil. E o fato de que a III Conferência Nacional de Políticas para Mulheres posicionou-se, por ampla maioria das delegadas presentes, pela revisão da legislação punitiva do aborto no Brasil, com atenção às mulheres na rede SUS. A CNPM aprovou a não-criminalização, discriminação ou quaisquer maus tratos às mulheres que realizarem abortos.
  • A MP 557 será ineficaz para proteger a vida das mulheres, mas cria as condições para oficializar a gravidez forçada como política do Estado brasileiro.

A Medida se mostra completamente descabida ao desconsiderar ações já previstas, desde 2001, quando na conclusão do relatório da CPI da mortalidade materna ficou estabelecido um conjunto de recomendações para sua prevenção e redução.

Para que a gravidez de risco seja diagnosticada e para que mortes maternas sejam evitadas é preciso investimento em serviços de saúde, profissionais qualificados, leitos e equipamentos adequados. Atualmente, assistimos inúmeras unidades de saúde sem condições para isso pela insuficiência de investimentos na saúde, especialmente no SUS, por problemas de gestão ou por uso ilícito dos recursos públicos.

Neste momento, a MP 557 está tramitando no Congresso Nacional e a Portaria nº 68 do Ministério da Saúde, de 11/01/12, não altera a Medida. Faz apenas desdobramentos para sua aplicação.

Por tudo o que apresentamos, exigimos:

  • A revogação da MP 557 e, por consequência, a revogação da citada Portaria.
  • A retomada e o fortalecimento da Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher, com reafirmação do compromisso do atual governo federal com os direitos reprodutivos das mulheres.
  • A revisão da legislação punitiva do aborto (descriminalização), o compromisso do Governo brasileiro com a legalização, garantindo a autodeterminação reprodutiva das mulheres.

Articulação de Mulheres Brasileiras, 13 de janeiro de 2012.


Marcha Mundial das Mulheres

Não à MP 557/2011! Em defesa da vida das mulheres!

Publicada em: 12.01.2012

No dia 26/12/2011, o Ministério da Saúde publicou a Medida Provisória 557/2011, que institui o Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para Prevenção da Mortalidade Materna que prevê um cadastro universal das gestantes e puérperas buscando identificar as que estão com gestação de risco. Segundo o Ministério da Saúde essa iniciativa visa a responder a uma preocupação de que os municípios e Estados fortaleçam sua intervenção e garantam a realização de uma atenção eficaz e humanizada como parte do esforço de redução da mortalidade materna a níveis aceitáveis segundo a OMS. É conhecida a gravidade dos índices de mortalidade materna no Brasil, seu corte de classe e raça e, portanto, a urgência que uma Política Integral de Atenção à Saúde da Mulher priorize essa questão.No entanto a edição desta MP levanta várias dúvidas quanto à sua adequação e se, de fato, é necessário criar esse tipo de mecanismo e, mais ainda, por meio de um dispositivo de Medida Provisória. Em primeiro lugar chama a atenção de maneira contundente o fato de que ela mexe na lei geral que organiza o sistema de saúde (Lei 8080 de 1990) para introduzir na legislação a questão dos direitos do nascituro. A introdução da idéia de direitos do nascituro tem sido, ao longo de várias décadas, uma questão central na disputa realizada pelos setores que buscam restringir os direitos das mulheres à autodeterminação e autonomia em relação à maternidade. Um debate que se contrapõe não apenas ao movimento de mulheres, mas a todos os setores progressistas que reconhecem a importância de se resguardar e reafirmar o direito das mulheres frente às tentativas constantes de introduzir esta contraposição no ordenamento legal brasileiro.Não é pouco lembrar que, até agora, o marco principal é a Constituição brasileira onde prevaleceu o direito à vida desde o nascimento e os direitos das mulheres enquanto gestantes, recusando-se essa noção movida principalmente por influências religiosas conservadoras. O mais preocupante, portanto, é que a MP 557/2011, introduz a figura do nascituro como portador de direitos, quando é fato que esse não existe fora do corpo da gestante.O fato é que esses setores retrógrados não conseguiram introduzir essa questão na legislação no Brasil até o momento, ainda que nos últimos anos tenha se acirrado a pressão para se definir os direitos das pessoas, e neste caso em especial das mulheres pela ótica de ideologias religiosas conservadoras. É inaceitável que isso seja realizado pelo Ministério da Saúde e a partir de uma questão tão sensível como propostas de redução da mortalidade materna. Com isso, o Ministério assume a linguagem dos setores reacionários, o que é inadmissível, e retrocede no processo de acúmulo que o SUS representa em termos de uma concepção de saúde vinculada ao pleno exercício de direitos.

Evidentemente o caráter persecutório da MP torna-se mais forte pelo fato de que no Brasil as mulheres são criminalizadas pela realização do aborto. Nos últimos anos há uma ofensiva conservadora e aumento da perseguição e criminalização das mulheres, inclusive com a interdição policial de clínicas, com a utilização de prontuários e registros das usuárias. As mulheres não podem exercer sua autonomia diante de uma gravidez indesejada e ficam expostas a riscos para sua saúde, sua integridade física e liberdade.

É evidente que o cadastro proposto é universal e compulsório, como se pode ler no texto da MP. Se é possível tomar medidas para que isso não seja utilizado como mais um instrumento de restrição de liberdade das mulheres em sua vida reprodutiva, os argumentos do Ministério da Saúde de que “universal” não se confunde com “compulsório” só faz sentido se isso corresponde a uma sugestão do Ministério de que as mulheres não procurem os serviços de saúde! Aliás, todas nós esperamos e queremos um atendimento integral à saúde das mulheres e que todas possam estar inscritas no sistema de saúde. O que torna, portanto, mais estranha e incompreensível a necessidade de tal cadastro específico de gestantes, mesmo considerando a problemática da mortalidade materna.

Desde o início da gestão, tem prevalecido nas ações do Ministério da Saúde uma perspectiva conservadora que não leva em consideração a saúde integral das mulheres e está centrada fundamentalmente no aspecto materno infantil. Nesse sentido a MP é uma continuidade da rede cegonha e de uma visão redutora do papel das mulheres como mães e reprodutoras.

Também chama a atenção a introdução da proposta de um Comitê Gestor Nacional sem qualquer participação da sociedade civil, e principalmente de Comissões de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento de Gestantes e Puérpuras de Risco quando na realidade já existe no sistema de saúde, com participação dos movimentos e da sociedade civil, os Comitês de Morbi-Mortalidade Materna, fruto da luta e reivindicação dos setores organizados como parte de toda uma luta dos movimentos sociais por um sistema de saúde público e com controle social. A proposta não segue o acúmulo do SUS, prevendo em sua composição apenas a participação de profissionais e gestores, e desconhece o papel do movimento organizado nesses instrumentos.

Finalmente, o enfrentamento da mortalidade materna exige enfrentar a terceira causa de mortalidade materna que é o abortamento inseguro. É amplamente conhecido que isso só será possível se for respeitada a autonomia das mulheres e o aborto diante de uma gravidez indesejada for parte da política de saúde pública.

É obrigação do Ministério da Saúde ter políticas de atenção à maternidade que busquem reduzir a morbi-mortalidade materna e para isso é necessário qualificar a assistência e garantir o acesso e acolhimento nas unidades e hospitais, tanto na regulamentação para o atendimento privado como nos serviços sob responsabilidade da rede SUS. Nesse sentido a o benefício de R$50,00 terá um papel importante para o deslocamento daquelas que têm dificuldade financeiras. Sua eficácia, entretanto, depende da existência de outras políticas sociais associadas. Mas, mais uma vez, não é isso o que justifica a edição desta medida provisória.

É urgente que o Ministério da Saúde retire essa MP e articule suas ações para redução da mortalidade materna em acordo com mecanismos e as diretrizes já previstos no SUS e nas Conferencias Nacionais de Saúde.

Por isto, nós, da Marcha Mundial das Mulheres, exigimos:
• Que o Ministério da Saúde retire a MP 577/2011 no sentido de garantir a integralidade da saúde da mulher em consonância com seus direitos e garantias individuais;
• Que o Ministério da Saúde retome o debate sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e que o governo reafirme a autonomia política das ações condizentes com os princípios do Estado Laico, tomando medidas sem se curvar para conservadorismos ou morais religiosas;
• Um compromisso explícito do governo de impedir todas as ações de retirada de direito das mulheres nas políticas públicas;
• Que o Ministério da Saúde e o governo federal em conjunto com a sociedade civil enfrentem o debate do aborto inseguro e a necessidade de políticas de atendimento às mulheres que decidem interromper uma gravidez indesejada e, portanto, que o aborto seja descriminalizado e legalizado.

Marcha Mundial das Mulheres


Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

Posição sobre a Medida Provisória Nº 557 de 26 de dezembro de 2011
“O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio-política. A medicina é uma estratégia bio-política”. (FOUCAULT, M. O nascimento da Medicina)
A Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos – RFS, única articulação nacional de grupos e mulheres feministas, específica para a área da saúde e com assento no Conselho Nacional de Saúde, vem por meio desta apresentar sua posição sobre a Medida Provisória Nº 557 de 26 de dezembro de 2011 que institui o Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para Prevenção da Mortalidade Materna, no âmbito da Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher, coordenada e executada pelo Sistema Único de Saúde – SUS, com a finalidade de garantir a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade da atenção à saúde materna, notadamente nas gestações de risco e autoriza a União a conceder benefício financeiro, altera a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, e a Lei no 9.782, de 26 de janeiro de 1999.
A Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos é contrária à presente Medida Provisória – MP por motivos de ordem técnica, ética, política e conceitual.
 Do ponto de vista técnico e operacional a MP é desnecessária, pois já existem Leis, Normas Técnicas, Protocolos e Orientações de Serviço em vigência que contemplam todos os procedimentos de rotina, no âmbito das Unidades Básicas de Saúde, Hospitais e Maternidades, necessários para o atendimento qualificado do pré-natal, parto e puerpério;
 Nos aspectos referentes ao Sistema de Informações já existem diferentes formas de registro para as ações de saúde sobre qualquer usuário (a) do SUS, entre eles, das mulheres gestantes;
 Para a Prevenção da Mortalidade Materna foram elaboradas Estratégias, Pactos, Comitês de Morte Materna (acordadas entre especialistas e representantes da sociedade civil) em todas as esferas do SUS, bastaria que fossem aprimorados com a incorporação de todas as causas e a qualificação da atenção e funcionassem adequadamente;
 Para que as intenções propostas na MP sejam concretizadas o importante é o estímulo, o financiamento e o monitoramento para a efetiva implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – PNAISM. Além do mais é importante enfatizar que uma atividade focalizada dificilmente estrutura e organiza uma política baseada em princípios de universalidade e integralidade, não incorpora as questões de gênero e diversidade, e tão pouco considera os direitos sexuais e os direitos reprodutivos das mulheres, (um explícito descumprimento dos acordos internacionais firmado por nosso país). Estes são componentes indispensáveis de toda e qualquer política destinada a assegurar o direito das mulheres a uma vida saudável, sem violência e coerção.
O propósito enfático de cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODM, na realidade, pode ocultar compromissos internacionais firmados sob a égide dos ideários neoliberais contrários e hostis às políticas de Estado universais e democráticas;
 Entendemos que para atingir os ODM é necessário investir, decididamente, na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, e somente após definir, claramente, as linhas programáticas focalizar a prevenção da morte materna. Isto porque a melhoria da saúde materna e a redução da mortalidade materna em dois terços até 2015, é o único ODM que não se conseguiu atingir.
 Consideramos que há premente necessidade de retirar a MP para que possa ser revista e reformulada após discussão com o movimento feminista e de mulheres.
 Sabemos que é inevitável, por razões óbvias, que as ações previstas na MP se darão no âmbito do SUS. No Brasil, até onde se sabe, existem duas redes de prestação de assistência à saúde, a Pública e a Privada. Salvo se nos dias de hoje devido à forte influência político-ideológica do pensamento fundamentalista esteja se estruturando alguma rede espiritual, (de cunho religioso) que escape ao controle social dos usuários e usuárias do SUS.
 Outra questão preocupante é a criação de Comissões de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento das Gestantes e Puérperas de Risco, no nível local. Comissões desse tipo poderão invadir a privacidade das gestantes, consistindo numa versão, com recorte de gênero, das polícias sanitárias do século XIX.
 Considerando que o país é todo dividido em áreas e territórios devido à Estratégia de Saúde da Família – ESF é possível imaginar que as mulheres que, por qualquer razão faltarem à consulta agendada do pré-natal, no dia seguinte terão sua casa visitada, além de agentes de saúde, por integrantes da mencionada comissão local. (Comissão esta provavelmente constituída por pastores evangélicos, pastorais, cabos eleitorais de vereadores, agentes comunitários, clubes de mães, entre outros) fiscalizando porque ela não foi à consulta. Claro que isso é só um exercício virtual sobre possíveis cenários futuros aos quais as gestante brasileiras serão submetidas. Uma situação desumana e eticamente inaceitável.
 É importante salientar que na prática, a formulação desta MP apresenta a gestação como uma espécie de “doença de notificação compulsória”, como uma epidemia de doença transmissível a ser controlada e não um evento de saúde reprodutiva para o qual devem ser assegurados os cuidados para que seja vivido de forma segura e prazerosa.
 É evidente que essa vigilância e “cuidados” visam refrear e reprimir a possibilidade da gestante optar por um aborto, no entanto, em nenhum momento esta causa determinante de morte materna é referida no texto.
 Outra anomalia e inconstitucionalidade é a inserção no texto da MP da figura do nascituro, admitindo direitos de cidadania a uma expectativa de cidadão. E a cidadã real e existente torna-se refém do serviço de saúde e/ou da polícia.
 Poderíamos, ainda, listar e comentar inúmeras questões que ficaram pouco explícitas e/ou ambíguas. Poderíamos referir o rico histórico das lutas pela saúde da mulher.
Lembrar que essa trajetória nos remete a 1983 quando da elaboração do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher – PAISM, a superação da política Materno-Infantil e que agora, para nossa surpresa e desencanto, reaparece num conjunto de iniciativas que encobrem o retrocesso mediante estranhas denominações e um forte cunho policialesco.
 Em decorrência dos questionamentos por nós formulados restam algumas perguntas:
1. Por que alterar a Lei 8080/90, não seria melhor cumpri-la?
2. Por que tantas iniciativas pontuais e restritivas? Não seria melhor formular o Plano Nacional de Saúde, submetê-lo ao Conselho Nacional de Saúde, respeitar e acatar as diretivas das Conferências como preconizam as Leis nº 8080/90 e nº 8142/90?
Entendemos que esse é o momento de propor que haja um amplo e objetivo diálogo com o Exmo. Senhor Ministro da Saúde e sua equipe para que possamos debater e sugerir medidas viáveis, éticas, administrativas, legais e sócio-sanitárias, compatíveis com a saúde das mulheres e as políticas públicas defendidas pelo conjunto dos movimentos feminista e de mulheres.
Florianópolis (SC), 19 de janeiro de 2012

Entenda por que a MP 557 viola os direitos das mulheres (Universidade Livre Feminista – 25/01/2012)

 

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas