(O Globo) Em 26 de abril, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional a instituição de política de cotas raciais nas universidades públicas. Para o Supremo, não basta apenas proibir a discriminação. Essenciais mostram-se as ações afirmativas, como medidas especiais e temporárias voltadas a concretizar a igualdade e a neutralizar os efeitos perversos da discriminação racial. Reconheceu que a justiça social — mais que simplesmente demandar a distribuição de riquezas — requer o reconhecimento e a incorporação de valores, com destaque à diversidade étnico-racial.
Em outro julgamento emblemático, em 9 de fevereiro, ao enfrentar o debate sobre a (in)constitucionalidade da Lei Maria da Penha (lei 11.340/06) concernente a prevenção, assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, decidiu o STF pela constitucionalidade da relevante medida protetiva. Argumentou que o Estado é partícipe da promoção da dignidade humana, cabendo-lhe assegurar especial proteção às mulheres em virtude de sua vulnerabilidade, sobretudo em um contexto marcado pela cultura machista e patriarcal. Concluiu que a lei não estaria a violar o princípio da igualdade, senão a protegê-lo.
A estes importantes julgados, somase o caso decidido pelo Supremo em 4 de maio de 2011, quando, também por unanimidade, reconheceu a proteção constitucional às uniões homoafetivas, admitindo-as como entidade familiar. Sustentou que a Constituição veda a discriminação em virtude de raça, sexo e cor, sendo que ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua orientação sexual — já que o sexo das pessoas não se presta a criar desigualdades jurídicas. Defendeu a interpretação do Código Civil conforme a Constituição, destacando os direitos à igualdade, à liberdade e à autonomia da vontade, à luz do princípio da dignidade humana.
Nestes três casos paradigmáticos, ineditamente o Supremo assegurou a proteção do direito à igualdade com respeito à diferença. De um lado, coibiu discriminação atentatória ao exercício de direitos fundamentais — ao conferir proteção constitucional às uniões homoafetivas sob o argumento de que a orientação sexual não poderia ser critério a diminuir e restringir direitos. Por outro, afirmou a igualdade, assegurando a proteção especial a grupos vulneráveis, em nome do princípio da igualdade material, do valor da diversidade e do direito à diferença com o reconhecimento de identidades específicas — nos casos da constitucionalidade da Lei Maria da Penha e das leis instituidoras de cotas raciais em universidades. Realçou que políticas estatais neutras podem ser fonte geradora de discriminação indireta. Isto porque, embora aparentemente não discriminatórias, seus efeitos poderão manter, perpetuar e até mesmo exacerbar uma discriminação. Daí a necessidade de um protagonismo estatal, orientado pelo dever do Estado de implementar direitos, adotando medidas de enfrentamento da injustiça cultural, dos preconceitos e dos padrões discriminatórios.
Esta inovadora jurisprudência do Supremo é capaz de romper com a indiferença às diferenças, na salvaguarda do direito à igualdade com respeito às diversidades. Os direitos humanos simbolizam o idioma da alteridade: ver no outro um ser merecedor de igual consideração e profundo respeito, dotado do direito de desenvolver as potencialidades humanas, de forma livre, autônoma e plena. É a ética orientada pela afirmação da dignidade e pela prevenção ao sofrimento humano.
Ao longo da história as mais graves violações a direitos tiveram como fundamento a dicotomia do “eu versus o outro”, em que a diversidade era captada como elemento para aniquilar direitos — como atesta a violência da intolerância racista, sexista ou homofóbica. Na ótica emancipatória dos direitos, por sua vez, a diferença passa a ser captada não mais para eliminar direitos, mas para promovê-los.
Para Ferrajoli, os direitos humanos constituem a lei do mais fraco contra a lei do mais forte, na expressão de um contrapoder em face dos absolutismos, advenham do Estado, do setor privado ou mesmo da esfera doméstica. As impactantes decisões do Supremo revelam a importância da Justiça em permitir que direitos triunfem, por vezes, de forma contramajoritária, no exercício de um contrapoder radicado no princípio da prevalência da dignidade humana.
FLÁVIA PIOVESAN é professora de Direito da PUC/SP e procuradora do estado
Leia matéria em PDF: Direito à igualdade, por Flávia Piovesan (O Globo – 31/05/2012)