“Contrários a qualquer tipo de aborto no Brasil atingem 41%”
(AgoraÉQueSãoElas, 18/01/2019 – acesse no site de origem)
Estes dados recentes de opinião sobre aborto mereciam a interpretação inversa que sugerimos, inclusive para serem mencionados no balanço de pesquisas do Datafolha, hoje publicado do dia 15 de janeiro, que revela marcadas discrepâncias entre a maioria das pautas prioritárias do novo governo e a opinião do eleitorado que o elegeu. Afinal, o percentual de 60% de pessoas que admite o aborto em alguma circunstância está em desacordo com a proposta do Brasil Sem Aborto defendida pela ministra Damares tão logo assumiu o cargo.
Perguntamos: O que explica a interpretação escolhida pela Folha? Estará o jornal querendo dizer que a sociedade brasileira ficou mais conservadora em relação ao aborto? Caso seja assim, o jornal deveria ter oferecido referências históricas que possibilitassem alguma comparabilidade, mesmo reconhecendo que as metodologias usadas não são as mesmas.
Numa busca não exaustiva encontramos, desde 1988, registros de pesquisas do Datafolha com perguntas sobre aborto. Há pesquisas feitas em períodos eleitorais e pós-eleitorais, como é o caso desta última, em anos de visita do papa ao país e no ano da campanha da CNBB sobre direito à vida. Também há pesquisas que captam opiniões quando o tema esteve em debate no Congresso ou no STF como, por exemplo, a de agosto de 2018, logo após a audiência pública no STF sobre a ADPF 442/2017, que interroga a constitucionalidade da criminalização do aborto. Embora não sejam séries históricas comparáveis, elas oferecem alguns parâmetros para situar os últimos resultados.
Se na última pesquisa apenas 6% das pessoas se dizem “favoráveis à permissão do aborto em qualquer situação”, a resenha da pesquisa de agosto de 2018 informava que, naquele momento, 14% tinham esta opinião, em contraste com a pesquisa de 2015, quando esse percentual foi 11%. O que fazer com esta informação? Terá sido o conservadorismo eleitoral a causa desta queda abismal de 14 para 6 por cento em 4 meses? Pode ser.
Mas é saudável ler com cautela tanto essa oscilação acentuada quanto outras captadas pela pesquisa. Este resultado de 6% sugere, de fato, que a sociedade brasileira está menos aberta à descriminalização do aborto. Mas não é recomendável fixar essa esta tendência como definitiva. Nada impede que, assim como aconteceu entre 2015 e 2018, esse percentual de apoio oscile para cima, a depender das condições do debate público sobre o direito ao aborto. Uma abordagem interpretativa mais cautelosa teria prevenido a parcialidade da manchete que privilegia a opinião da minoria.
Também suspeitamos que a pesquisa não tenha oferecido, às pessoas entrevistadas, as informações necessárias sobre a proposta da chamada “Bolsa Estupro” que também foi objeto de uma pergunta. A resenha ela mesma não esclarece que esta proposição — amplamente questionada desde os anos 1990 — consta de um projeto de lei mais amplo que, em seu texto original, visa proibir o direito à interrupção da gestação em qualquer circunstância desconsiderando por completo as condições e razões que levam as mulheres a interromper uma gestação. Cabe perguntar se o percentual de apoio ao projeto conhecido como “Bolsa Estupro” teria sido de 41% caso as pessoas entrevistadas tivessem clareza quanto a isto.
Finalmente, o tratamento jornalístico uma vez mais não seguiu a regra editorial de ouvir olhares divergentes sobre o assunto. Isto já havia acontecido na divulgação da pesquisa feita em agosto, quando a Folha privilegiou as vozes contrárias à proposta. Desta feita, optou por ouvir exclusivamente a advogada Angela Gandra — cuja posição contrária ao direito ao aborto é amplamente conhecida – e que acabava de ser nomeada para dirigir a área de família da recém-criada Secretária da Mulher, Família e Direitos Humanos. É pena que isto tenha acontecido, pois dá à matéria um lamentável e surpreendente tom “chapa branca” que contrasta com as posições historicamente defendidas pela Folha em relação à questão.
Sonia Corrêa, pesquisadora associada da ABIA e co-coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política.
Angela Freitas, comunicadora social, formada em ciências políticas e sociais.