(El País, 08/08/2015) Elas usam o funk como ferramenta para falar sobre feminismo na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, com composições que abordam desde o racismo e a luta pela igualdade de direitos à violência contra as mulheres e a homofobia. Mas foi com uma letra polêmica – em que falam em “cortar a pica” de quem “chega na favela com papo de machista” – que as meninas do PaguFunk sentiram o que é a fúria da internet. O proibidão feminista (que foi pensado como uma paródia de outro funk) acabou viralizando no YouTube, tornando o grupo conhecido na web. O preço da fama foi alto: ameaças de mortes e de estupro, agressões físicas na rua e xingamentos frequentes durante os shows.
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“O medo da morte é uma companhia constante”, conta Lidiane Alves de Oliveira, 23 anos, uma das fundadoras do grupo, criado em meados de 2013 e que hoje se define como uma rede colaborativa.
Nascida em Belford Roxo e criada em Duque de Caxias, a MC Lidi, como é conhecida, mora na comunidade Chapéu Mangueira, e teve de passar um mês fora do Estado após ver seu endereço divulgado em blogs que pregavam uma resposta violenta às autoras da música A Missão vai ser cumprida,que obteve mais de 300 mil visualizações em poucos dias. O funk também não foi bem recebido entre muitas mulheres, que viram na letra sinais de misandria (ódio aos homens) e a consideraram um desserviço à luta feminina pela igualdade de direitos. “A gente tem raiva do machismo, da opressão que a mulher passa, mas não dos homens. Nós temos vários companheiros de luta”, defende-se.
A canção, na realidade, havia sido inspirada nas Justiceiras de Capivari, um grupo de mulheres que, na ausência de policiamento e de uma resposta do Governo do Estado, se armou de facões para defender seus filhos de agressões sexuais, após uma série de estupros e assassinatos de meninas na comunidade da Baixada Fluminense, entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Em 2005, a fundadora do movimento, Ildacilde do Padro, ou Dona Ilda, foi assassinada a tiros na porta de sua casa.
Não é à toa que a violência está tão presente nas letras do PaguFunk. A própria Lidiane decidiu que faria do feminismo uma bandeira após o estupro e assassinato de uma amiga, ainda na infância. “Eu saio pra fazer militância e quando eu volto pra casa, volto pra uma área em conflito, onde falta todo tipo de políticas públicas”, diz.
A estudante de moda também já foi vítima de agressão. Quando deixava um show com a companheira Lorena Braga, que também integra o PaguFunk e tem 23 anos, se viu cercada por um grupo de rapazes, que as agrediram com chutes e socos. As duas conseguiram fugir da tentativa de linchamento porque um táxi passou na hora pelo local.
Após a repercussão do vídeo (tirado do ar, mas ainda facilmente localizado na internet), o PaguFunk divulgou uma carta aberta pedindo o fim das ameaças. “Lutando ou não lutando, existe um fuzil apontado pra mim todos os dias. Então eu decidi lutar. Eu decidi buscar no feminismo formas de mudar o cotidiano daquele local. Esse medo de morrer é uma companhia, mas também a alegria de cantar é uma alegria muito maior que o medo”, diz.
Apesar da polêmica, as demais rimas do PaguFunk são, em geral, mais leves. É o caso de Se Empodera (“essas mulheres desconstroem o sexismo em suas casas / E, na rua, agitam a Baixada”) eRevolucionando (“a gente se amarra no jeito dessa menina / sempre acompanhada da luta feminista”). Em comum, tem a batida do funk, que é a principal ferramenta para aproximar o discurso feminista da realidade das meninas de comunidades pobres. “É a forma de falar na nossa linguagem, a linguagem da periferia, com as vizinhas sobre o direito das mulheres”, explica a MC.
Diferentemente do rap e do hip hop, movimentos intrinsecamente ligados ao ativismo social, o funk cresce como opção para comporhinos de luta por um motivo bem simples: além de ser um dos ritmos mais populares do Brasil, o refrão chiclete ajuda a espalhar mensagens. Se depender delas, a revolução será dançada.
Funk como ativismo
O pancadão politizado não é uma exclusividade do PaguFunk. Outros grupos musicais e MCs usam o ritmo para popularizar mensagens impregnadas de cunho político que vão além da defesa da liberdade sexual e da diversão. É o caso do gaúcho Putinhas Aborteiras, um grupo anarcofunks, ou seja, funkeiras, anarquistas e underground. São autoras de rimas provocativas como “Ei, Papa, levanta o teu vestido / quem sabe aí embaixo não está o Amarildo”, que também se tornaram alvo de ameaças de estupro e morte após uma performance viralizar na internet.
De volta ao Rio, outras funkeiras erguem a bandeira contra a violência doméstica e às injustiças sociais. É o caso da MC Nem, autora de letras como “a mulher tem que se dar valor pra poder ser valorizada / de que que adianta ter pose na rua e dentro de casa ser esculachada?”, e da MC Dandara, que canta “fazer média pro pobre na televisão, tu pode achar maneiro, doutor, mas eu não acho não!”, da poderosa Alcatraz.
Já a MC Xuxú usa o funk para levantar a bandeira, com bom humor, contra a homofobia e o preconceito com as travestis. “Com tanta coisa pra se preocupar,com tanta vida perdida / Tem gente perdendo o tempo querendo cuidar e mandar na minha vida.”
Acesse no site de origem: PaguFunk, do ‘pancadão’ feminista às ameaças de morte (El País, 08/08/2015)