Um comentário feito pelo presidente Jair Bolsonaro durante o último fim de semana causou grande desconforto diplomático entre o Brasil e a França. Em seu Facebook, um seguidor de Bolsonaro postou uma montagem com fotos da esposa de Emmanuel Macron e da esposa do presidente brasileiro.
(Yahoo Notícias, 26/08/2019 – acesse no site de origem)
Nela, ele comparava Brigitte Macron e Michelle Bolsonaro e dizia que o francês tinha “inveja” do brasileiro e que, por conta disso, ele estaria “perseguindo” Bolsonaro. Em resposta ao seguidor, o presidente brasileiro disse: “Não humilha, cara. (Risos)”.
Essa “perseguição” estaria relacionada à convocação do G7 feita por Macron para tentar ajudar no combate às queimadas que se alastraram pela Amazônia desde a semana passada.
A fala do presidente brasileiro foi repercutida pelos jornais franceses e, nesta segunda-feira (26), foi rebatida por Macron. Em entrevista coletiva, o presidente francês afirmou que o comentário de Bolsonaro foi “triste” e “extremamente desrespeitoso”. “Eu penso que as mulheres brasileiras têm vergonha de ler isso de seu presidente”, afirmou.
Mas, por qual motivo, a fala de Bolsonaro é problemática? Segundo a pesquisadora Marisa Sanematsu, do Instituto Patrícia Galvão, o presidente apoiou e reforçou uma prática machista de competição entre homens em função de ter ao lado uma mulher mais jovem ou “mais bonita” de acordo com os padrões de beleza estabelecidos.
“Para esses machistas, um homem que tem uma mulher mais velha morre de inveja do que está casado com uma mais jovem. Para eles, essa é a ideia do que é ser um homem de sucesso. A atitude é incompatível com o que se espera de um chefe de Estado. Em especial, de um presidente de um país em que as mulheres já são maioria da população”.
De acordo com Joanna Burigo, mestre em gênero, mídia e cultura, é de se surpreender que dois chefes de Estado estejam mais preocupados em falar sobre a aparência de suas esposas do que sobre os problemas sérios que o mundo está enfrentando.
“É um retrocesso sem fim. Ao invés de estarem discutindo questões de interesse das populações que representam, estão gastando tempo botando gasolina numa conversa que não deveria nem existir”, constatou a especialista em entrevista ao blog.
A pesquisadora concorda com a fala de Joanna e ainda acrescenta que é fundamental que o presidente brasileiro busque ter uma boa relação com outros países do mundo. “Além do cargo exigir uma postura de condenação ao preconceito, é fundamental para um chefe de Estado a busca de manter relações cordiais e de cooperação com as outras nações”, explicou.
Para Marisa, a atitude de Bolsonaro já começou a trazer problemas diplomáticos para o Brasil. “Nesse momento, a imagem do País no exterior é a pior possível. Nossos parceiros comerciais e diplomáticos também estão condenando a atitude do governo brasileiro. Em alguns países, a população já pede boicote dos produtos brasileiros”, afirmou ao blog.
A diferença de idade entre Bolsonaro, de 64 anos, e Michelle, de 37, é quase a mesma que existe entre Macron, de 41 anos, e Brigitte, de 66. Os franceses têm 25 anos de diferença. Já os brasileiros, têm 27. Porém, a diferença de idade só parece virar motivo de piada quando a mais velha da relação é a mulher.
Existe uma explicação para isso. Joanna faz questão de explicar que a fala de Bolsonaro representa como o etarismo é cruel com as mulheres. “Existe uma desvalorização da mulher conforme ela envelhece. A gente sabe que muitos homens pensam dessa forma. Essa fala explicita bastante o valor que homens como ele dão às mulheres. É a valorização de uma mulher jovem e doméstica”, afirmou.
O etarismo, segundo Marisa, é uma prática bem recorrente em nossa cultura e é muito mais cruel com as mulheres. “Somos valorizadas, em primeiro lugar, pela beleza. E a juventude tem uma relação direta com a beleza. Eu creio que essa declaração foi ofensiva a todas as mulheres e envergonha as brasileiras e os brasileiros. Nenhuma pessoa, seja mulher ou homem, gosta de ser julgada apenas pela aparência quando jovem”, disse a pesquisadora.
Mesmo após a troca de farpas entre Bolsonaro e Macron, o presidente francês anunciou uma ajuda de cerca de R$ 91 milhões para combater os incêndios que foram causados na Amazônia.
Por Giorgia Cavicchioli