ENTREVISTA: Fátima Pacheco Jordão, socióloga e especialista em pesquisas de opinião

09 de julho, 2013

FatimaPJordao150(Agência Patrícia Galvão) Especialista em pesquisas de opinião lembra que demanda por mudanças no sistema político e de processo eleitoral é antiga. Aspiração da sociedade por mais mulheres na política reflete mudança de patamar da consciência do cidadão, que passa a cobrar retorno dos impostos pagos – um movimento que é liderado fundamentalmente por mulheres.

IPG – A pesquisa foi realizada antes das manifestações que recolocaram na pauta nacional a questão da reforma política, mas mesmo assim o levantamento revela uma demanda contundente por esta reforma no sistema político-eleitoral brasileiro e por mais espaço para as mulheres na política. Como você analisa esses resultados?
Fátima – A demanda por mudanças tanto de processo eleitoral quanto de formato do sistema político é latente há muitos anos. Há uma dissonância entre a representação que o sistema político e o sistema partidário permitem e o que a população quer. Isso ficou muito claro nessas manifestações, mas esse é um processo que vem de longa data. E está associado a vários mecanismos de autonomia da população. Não só direitos garantidos como novos direitos de consumo, direitos de cidadania, que agora se completa com direitos da daqueles que pagam impostos.
A sociedade está se vendo não mais como beneficiária de ações da política ou de governos, mas como associada aos orçamentos, à distribuição dos recursos de governo. Não é apenas cidadão consumidor, mas também cidadão usuário de serviços. O consumidor foi bastante bem trabalhado na sua condição de direitos. Temos um Código de Defesa do Consumidor bastante elaborado desde a última constituinte. Temos organismos para preservar mecanismos de qualidade e de atendimento. De alguns anos para cá as empresas públicas começaram a entender que os usuários aprenderam a reivindicar seus direitos, direitos de quem paga imposto. Isso é diferente. Tem que separar eleitor, usuário e consumidor. Essa separação está sendo feita nesse momento.
E o sentido da reforma política é exatamente este, que essas três dimensões da cidadania estejam presentes. Não apenas o eleitor que vai votar segundo as regras dos partidos, nem o consumidor que vai comprar segundo direitos adquiridos e regras de consumo, mas o usuário que demanda dos serviços públicos uma qualidade de padrão superior. O hospital padrão Fifa que foi uma referência tão emblemática dos movimentos. Essa referência está muito presente no cerne de uma reforma do sistema que faz a sociedade se representar no plano político. É uma demanda de reforma partidária, do sistema político e do processo eleitoral. Quando a população nas ruas pediu, em vez de estádios, saúde, em vez de teleférico na Rocinha, esgoto, fez esse raciocínio que mexe com como o governo aloca dinheiro.
O cidadão brasileiro saiu de casa, do doméstico para a rua. Da porta para dentro, o cidadão teve enormes conquistas nos últimos 20 anos: poder aquisitivo, melhorias de processos de fabricação, produtos mais sofisticados e segmentados. Mas da porta para a fora, que envolve transportes, hospitais, educação, segurança de ir e vir, o pagador de impostos está demandando seus direitos. É isso que mudou no Brasil. Neste novo século você introduziu essa elevação de patamar do cidadão, que de consumidor passou a usuário e como usuário quer ser um eleitor que ao votar obtém os resultados do sistema político e do Estado.

IPG – Outra demanda muito marcada na pesquisa é a percepção de que haveria mais democracia se houvesse mais mulheres na política. Gostaria que você comentasse esse dado.
Fátima – Sim, porque esse passo do consumidor para usuário foi praticamente liderado pelas mulheres. As mulheres entram no mercado de trabalho e saem do consumo apenas. Elas passaram a usar cada vez mais transporte, passaram a questionar esses serviços, mesmo porque alguns desses serviços, educação e saúde, sobretudo, é ela quem gerencia na casa. Então, são as mulheres as protagonistas da demanda de melhor padrão nos serviços públicos. Portanto, quando se pensa em reforma política, se pensa em uma representação mais ampla da sociedade liderada por aquele segmento que demanda serviços: as mulheres, mais de 51% da população.
Essa demanda por mais mulheres na política e nos partidos não é apenas brasileira, é mundial. Acho que há uma percepção de que as mulheres representam um segmento dinâmico da sociedade capaz de produzir reformas importantes na equação da sociedade, na forma como as pessoas se relacionam entre si, com o Estado e com os partidos.
Os partidos são os grandes filtros de selecionar homens com mais capacidade econômica ou mais capacidade de poder ou mais capacidade de mando. Ou seja, a política como está não saiu muito do coronelismo. Então, a reforma política é um mecanismo de democratizar e de modernizar.
Uma formatação de representação que resulta em 12% de mulheres no parlamento não só é anacrônica em relação ao passado e ao que as mulheres representam hoje, no mercado de trabalho, na renda obtida pelas famílias e nas gerências de serviço e de consumo. No entanto, não têm na representação política, que faz o manejo disso, tanto no executivo, quanto no legislativo e mesmo no judiciário.
Essa tendência é mundial. Por questões culturais e políticas o Brasil ficou bastante atrasado, inclusive em relação à América Latina.

IPG – Também aparece de forma marcante na pesquisa a visão crítica dos partidos.
Fátima –
Exatamente. A concordância para que haja mais mulheres e paridade de representação – 8 em cada dez entrevistados, o que capta muito bem esse foco – pedem efetivamente mais participação por obrigatoriedade, como regra. Ou seja, a regra precisa mudar para que metade de mulheres e metade de homens represente a sociedade nas várias instâncias, inclusive não só no legislativo. Homens e mulheres concordam majoritariamente com isso, mas as mulheres vêem isso com muita clareza. 82% das mulheres vêem essa questão da disparidade de representação muito mais contundentemente que os homens, que são 69% como mostra a pesquisa. Isso revela também uma capacidade significativa de vocalização, porque as mulheres no passado não tinham essa possibilidade de se fazer ouvir. Imagino que se a pesquisa fosse feita hoje mostraria indicadores até mais fortes em favor da democracia. Mas o levantamento já mostra que esses acontecimentos de hoje estavam “embutidos”, que a sociedade não estava mais suportando esse ‘desbalanço’ democrático.

IPG – Gostaria que você comentasse também o fato de que quanto mais baixa a renda, maior foi a expressão dessa necessidade de mudança do sistema político. Na sua opinião esse resultado advém de quê?
Fátima – Primeiro do papel político da mulher no mercado de trabalho e na família. Hoje o Brasil tem uma parcela enorme, quase 40%, de mulheres chefes de família. No segmento de baixa renda isso chega a quase 60%. E a mulher que gerencia a família e também as relações de trabalho está mais que apta a também participar do pacto político. E percebe que nesse pacto político atual ela não está representada. Então, é uma questão basicamente de democracia, em que um dos atores, nesse caso as mulheres, tem novos papéis e nova pertinência no dia-a-dia do funcionamento da sociedade. Há 30, 20 anos atrás não veríamos tantas mulheres no transporte público, nas escolas, e assim por diante. Então, tudo tem a ver com uma subida do protagonismo feminino na escala social. Essa pesquisa revela também esse aspecto do segmento de baixa renda que assumiu mais responsabilidades e protagonismo. Essas mulheres estão fazendo uma pressão democrática sobre o sistema público de serviços.

IPG – E por que, na sua opinião, neste momento é tão importante essa maior inserção da mulher na política?
Fátima – Porque é difícil para políticos, publicitários, jornalistas, entenderem essa nova face da cidadania que é a face do usuário, que os ingleses chamam de tax payers, ou aqueles que pagam taxas, impostos. O pagador de imposto tem uma noção muito clara desse dever do Estado de oferecer serviços e a mulher está liderando esse processo de demanda por serviços. Mulheres que levam as crianças à escola e ao hospital, que precisam de um transporte decente porque em casa ainda têm outras tarefas a cumprir, que precisam de segurança porque o corpo delas não está sendo respeitado – os índices de estupro do Brasil são absolutamente assustadores. É um país que passou dos limites, mulheres estão sendo estupradas em UTIs. As mulheres não aguentam mais e estão dizendo isso. O Brasil ficou para trás e as mulheres querem jogar o Brasil para frente.
Reforma política tem a ver com serviços públicos, orçamento, se põe dinheiro aqui ou lá. No futebol ou na educação. Ficou claro isso, que o hospital que atende no corredor tinha que ter um padrão Fifa.

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