(O Estado de S. Paulo, 17/12/20015) O Profissão Repórter desta terça-feira teve como tema o feminismo. Corajosamente, o programa mostrou uma face importante do que é ser ativista nessa temática, especialmente em tempos de internet: receber ofensas, ataques e ameaças criminosas.
Lola Aronovich, um dos nomes mais conhecidos na rede quando o tema é feminismo, foi uma das entrevistadas. Lola recebe ameaças de morte há anos e já registrou diversos boletins de ocorrência. A equipe do programa foi atrás também de dois de seus agressores mais conhecidos e violentos, que já chegaram a ser presos por conta de crimes de ódio na internet. Por conta dessa abordagem os jornalistas Guilherme Belarmino e Valéria Almeida também passaram a ser alvo de ameaças e de ofensas. No caso, de cunho racista.
O triste é que saber das ameaças sofridas pela equipe não me causou surpresa alguma. Porque é isso que acontece quando nos pronunciamos sobre direitos das mulheres, e especialmente se usamos a palavra ‘feminismo’.
Dois anos atrás, no início da discussão sobre assédio sexual trazida pelo “Chega de Fiu-Fiu”, a organizadora Juliana de Faria recebeu ameaças de estupro e de morte. Na época, a discussão ainda era bem incipiente. Mas foi a mesma coisa em 2014 com a fundadora da campanha “Não mereço ser estuprada”, Nana Queiroz. Centenas de ameaças de estupro e vários boletins de ocorrência registrados. Isso porque era um protesto contra o estupro, que teoricamente é condenado pela sociedade (só teoricamente, como dito em outro artigo).
Quando eu e a amiga Ana Carolina Nunes nos manifestamos para tentar combater o assédio sexual no Metrô, ouvimos o mesmo tipo de coisas: “Tem que ser louco para querer assediar vocês” e daí pra baixo. E o padrão se repete para qualquer iniciativa que ganhe alguma visibilidade. Tudo isso sem falar que, caso você seja negra, as ofensas racistas se somam às de gênero, como no caso de Valéria Almeida. Taís Araujo, Sheron Menezes e a jornalista Maria Júlia Coutinho também foram alvo de ataques racistas na internet recentemente.
Há quem pense que “são só os loucos da internet” e que não há motivo para preocupação, porque essa fúria dificilmente sai do virtual. Mas as ameaças de estupro e as injúrias racistas são, por lei, condenáveis. Então por que são faladas com tanta tranquilidade na internet?
O feminismo está avançando – para liberdade de uns e fúria de outros. E, com isso, vem a reação a esse crescimento. Por almejar uma mudança estrutural na sociedade, é de se esperar que os que perderiam benefícios se revoltem usando as armas disponíveis. E se xingar e ameaçar na internet ainda não traz consequências para quem ofende e é possível amparar-se no anonimato, é esse o meio escolhido.
O virtual não ocupa mais um espaço periférico em nossas vidas. Estamos conectados constantemente e o que acontece nessa esfera interfere sim no ‘real’ em muitos casos. Tais ofensas, tão cotidianas na vida das feministas, não podem passar impunes. Porque nós não vamos pedir desculpas por falar o que deve ser falado e por incomodar. A intenção sempre foi essa.
Acesse o PDF: Quem tem medo do feminismo?, por Nana Soares (O Estado de S. Paulo, 17/12/2015)