(Folha de S.Paulo, 09/08/2016) Nos últimos quarenta anos as mulheres brasileiras tiveram suas vidas transformadas, pela educação, pela entrada no mercado de trabalho, pelo incremento (ainda baixo) na participação política e nos movimentos sociais. As ruas desde 2013 ganharam expressivos rostos jovens femininos que sem temor lutam pela liberdade das escolhas sexuais, pelo direito ao aborto, contra a violência doméstica e denunciam os estupros sofridos e vividos.
No entanto, as mudanças possibilitadas pela educação e pelo mercado de trabalho ainda não construíram a igualdade entre os sexos. Rompeu-se a invisibilidade das mulheres na sociedade e esta ruptura provocou transformações positivas nas vidas das mulheres e nas cidades em que vivem.
No mundo do trabalho as mulheres em 2013 significavam 40,7% da população ocupada e considerando os anos 2004-2013 a taxa de crescimento feminina foi 18,1%, superior à taxa de crescimento masculina que alcançou 13,2% para os mesmos anos. (PNAD/IBGE, 2014). O mercado de trabalho tem sido mais atraente para as mulheres e nota-se que a presença delas no mundo profissional é uma permanência, pois não há mais variação significativa na taxa de participação feminina ao longo da última década como mostram as estatísticas divulgadas pelo IBGE.
A literatura econômica feminista tem ressaltado que a chegada das mulheres no mercado de trabalho teve e tem enorme importância no processo de desenvolvimento nacional e no reconhecimento de suas múltiplas possibilidades de integração nos espaços produtivos. Podemos fazer tudo ou quase tudo que antes era possível apenas para os homens. A revolução tecnológica praticamente acabou com a “força bruta” no manejo das atividades produtivas e os rendimentos ganhos pelas mulheres já representam mais de 40% dos rendimentos das famílias brasileiras, longe dos míseros trocados que nossas avós recebiam no passado e que os maridos daquelas que trabalhavam afirmavam que era apenas para comprar batons e esmaltes.
Mas, este progresso feminino não é um paraíso. As mulheres vivem uma interdependência entre vida familiar e vida do trabalho que é denunciado pelo movimento de mulheres. O que significa esta interdependência? As mulheres convivem com uma desvalorização secular do trabalho feminino e isto explica as desigualdades que qualificam sua vida produtiva, com rendimentos inferiores e muitas dificuldades para ascender aos cargos de chefia. Esta invisibilidade é desvendada no plano simbólico, pelo senso comum que caracteriza os trabalhos domésticos ou afazeres domésticos como trabalho complementar, acessório e de ajuda e sabemos que 88% das mulheres ocupadas com mais de 16 anos realizavam afazeres domésticos, enquanto os homens apenas 46% declararam realizar estas tarefas na família. Esta carga de cuidados com a família também é denominada de dupla jornada de trabalho e faz com que as mulheres tenham uma jornada média de afazeres domésticos mais que o dobro da masculina (20,6 horas/semana, dados do IBGE, 2014). Esta realidade é verdadeira tanto no Brasil como em todos os países. Por isso, a luta é necessária!!!!
Para dirimir esta carga pesada suportada pelas as mulheres na sociedade urge o estabelecimento de uma política pública educacional de multiplicação de creches e escolas para as crianças de zero a três anos e 4 e 5 anos. Lembrem-se que a Meta 1 do Plano Nacional de Educação (PNE) do Projeto de Lei nº 8 035 (20/12/2010) propunha ampliar, até 2020, para 50% o atendimento escolar das crianças de zero até três anos e universalizar, até 2016 o atendimento escolar das crianças de quatro e cinco anos. Estas ideias já estão nas leis, mas não estão ainda nas vidas das mulheres, como mostram o tempo de afazeres domésticos declarados pelas mulheres. No entanto, houve um crescimento no acesso das nossas crianças à educação infantil entre 2004 e 2013, as taxas de escolarização das crianças de zero a 3 anos subiram de 13,4% para 23,4% e as crianças de 4 e 5 anos passaram de 61,5% para 81,4%. Melhorou, mas é preciso universalizar para que as mulheres possam participar em toda a plenitude da vida econômica da nossa sociedade.
É necessário escrever nas demandas políticas das mulheres para as Eleições de 2016, quando Prefeituras e Câmaras de Vereadores serão renovadas, que uma política explícita educacional para as crianças de zero a cinco anos seja formulada pelos postulantes dos cargos públicos, contribuindo para ampliar a conciliação entre a vida familiar e o trabalho das mulheres e dos homens.
Referência
BRASIL, IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), 2013. Síntese de Indicadores Sociais – Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira, Rio de Janeiro, 2014.
*Nilcea Freire é Professora Aposentada da UERJ , ex-Ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Hildete Pereira de Melo é Professora Associada da UFF.