No dia 6 de março, o Brasil recebeu com muita dor as lágrimas do jogador Luighi, do Palmeiras, em uma entrevista após um jogo da Libertadores sub-20, no Paraguai. O atacante de 18 anos sofreu ataques de um torcedor do Cerro Porteño que já tinha injuriado racialmente outro jogador que foi substituído. Ao também sair, Luighi foi diretamente chamado de macaco. Indignado, saiu chorando de campo.
Após a partida, Luighi foi abordado por uma jornalista que, ignorando totalmente o ocorrido, se dirigiu ao atacante para perguntar sobre o jogo. A resposta do jovem foi carregada de muita revolta. “É sério isso? Não vai perguntar sobre o ato de racismo que fizeram comigo?”
E, nas lágrimas de Luighi, percebemos que a violência contra nós é tão natural que não vale nem uma pergunta jornalística.
Talvez estejamos vivendo no melhor tempo para pessoas pretas no jornalismo. Veículos especializados em coberturas racializadas. Jornalistas pretos em destaque. Maju Trindade na bancada do Jornal Nacional. Realmente, dá para olhar e ver o quanto estamos ocupando espaços que antes nos eram negados e isso muda a perspectiva da informação que trazemos, também, com conteúdos que falem de nós e por nós.
Porém, quando uma jornalista esbarra em um crime cometido em um jogo de futebol de relevância mundial e só pede licença, como se fosse um encontrão de ombros, vemos que ainda estamos muito, muito longe do “melhor tempo”. O racismo não é notícia o suficiente, não choca o suficiente, não é vendável o suficiente nos portais de notícias.
Ao mesmo tempo, vemos que quando ele acontece em microespaços – uma influencer ou artista injuriando racialmente uma pessoa preta em ambientes corriqueiros -, ou de forma multicriminosa – como é o caso de Sonia que, além de carregado de racismo, também foi subjugada à condições de trabalho análogo à escravidão -, não recebemos tanto espaço. Basta que uma pessoa branca apareça em um vídeo 9:16, de roupas claras, sem maquiagem e cara de choro para que todo mundo esqueça a dor que só quem é preto sentiu.
O racismo não é sério o suficiente. É sério isso?
Hoje, dia 21 de março, a gente comemora o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial. Mas há o que comemorar? Como vislumbramos uma saída em meio a tantos golpes? Como combatemos a discrminação racial, se tantas vezes ela é interpretada como um imprevisto, um transtorno, uma pedra no meio de um caminho maior?
A resposta é uma só: fazendo e consumindo um jornalismo que não veja caminho maior que uma jornada antirracista.
Dar a relevância necessária ao jornalismo independente, periférico e racializado é o primeiro – e muitas vezes, em muitas notícias-, o único passo para que a informação seja de fato democrática e antirracista. Para que o combate à discriminação racial seja feito na prática, em linhas, colunas, reportagens, notícias.
Para que não ouçamos mais um “é sério isso?” e pensemos que sim… é muito sério.
Ser jornalista e preta me fez naturalmente racializar tudo que leio, vejo e escuto. Mas me torna ainda mais potente quando a caneta está na minha mão. Será que essa jornalista era branca? E por que não há tantas jornalistas – negras e mulheres – em evidência em um dos meios jornalísticos que mais lucram no Brasil e no mundo, que é o jornalismo esportivo? E por que os entrevistados, ou seja, jogadores são em grande parte, negros?