Filhos costumam parir grandes empreendedoras. Essa é uma das frases que circulam pelos grupos de empreendedorismo materno e instiga a vontade de apostar todas as fichas em um negócio próprio. De fato, existem centenas de mulheres que, com a chegada dos filhos, não encontraram mais sentido em manter suas rotinas de trabalho e se descobrem empreendedoras bem-sucedidas. Mas o caminho entre o primeiro passo e o sucesso pessoal e profissional ao empreender tem muito mais percalços do que se imagina.
(Universa, 31/10/2019 – acesse no site de origem)
A começar pelo fato que, para boa parte das mães, o empreendedorismo não é uma escolha, e sim uma necessidade. Reflexo do mercado de trabalho hostil em relação à maternidade. São poucas as mulheres que anunciam felizes da vida para suas lideranças que estão grávidas. E na volta da licença-maternidade, a insegurança e o medo de perder o emprego fazem parte do pacote de boas-vindas. Com razão: pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostrou que 50% das mulheres são demitidas até dois anos após a licença-maternidade.
“E quando não são demitidas, muitas não conseguem se encaixar na rotina inflexível demais para quem tem filho pequeno esperando em casa”, aponta a diretora de expansão Marcela Aquiroga, da Rede Mulher Empreendedora (RME), maior rede de apoio ao empreendedorismo feminino do Brasil, com 500 mil mulheres cadastradas. A falta de flexibilidade dentro das empresas, aliás, está no topo das motivações para abrir um negócio próprio.
Diante desse difícil cenário, o empreendedorismo parece cair como uma luva para quem deseja continuar ao lado dos filhos e ativa profissionalmente. Estudo feito pela RME mostrou que 75% das mulheres abrem uma empresa após a maternidade. O grande xis da questão é que nem sempre o sedutor discurso que mostra a possibilidade de conciliar maternidade e trabalho dá certo na prática. Isso porque a mulher brasileira ainda é responsabilizada pelo cuidado da casa e dos filhos, o que faz com que ela já comece seu empreendimento com uma conta que não fecha.
A administradora Rosa Freitas, 36, mãe de David Luis, 3, que o diga. Após a licença-maternidade, resolveu pedir demissão para ficar com o filho. Nesse meio tempo, abriu uma empresa de bolos. “Achei que daria para conciliar tudo, mas foi um tiro no pé. Porque mesmo tirando algum dinheiro com os bolos, eu não conseguia ter tempo de qualidade com meu filho, que ainda era muito pequeno. Não me dedicava nem a uma coisa nem a outra. Não aguentei. Agora estou fazendo cursos em outra área para tentar me recolocar no mercado.”
Ana Laura Castro, co-fundadora da rede Maternativa, que apoia mais de 24 mil mães no Facebook, é enfática ao afirmar que a mulher já começa a empreender com muita dificuldade porque seu olhar é voltado ao ambiente caseiro e familiar.
“Ela trabalha loucamente, com o filho a tiracolo, sem planejamento, geralmente com estrutura precária e, ainda assim, corre o risco de não ganhar dinheiro por falta de recursos e planejamento.” Outra pesquisa feita pela RME comprova: das 2 mil mulheres ouvidas, 86% disseram não ter planejamento antes de abrir o próprio negócio. “E esse é o ponto mais importante para qualquer empreendedor. Se as contas não fecham na planilha, certamente o negócio não vai funcionar na vida real”, diz a consultora educacional em projetos de treinamento para empresas, Sabrina Wenckstern.
Por outro lado, ao ter foco, planejamento e utilizar ferramentas e estratégias certas, é possível nadar contra a corrente e colher os frutos do empreendedorismo materno, como aconteceu com a jornalista Gabriela Miranda, 38, mãe do Benjamin, 8, e da Stella, 4. Com a chegada da caçula veio o desejo de parar de trabalhar fora. Ela então começou a poupar dinheiro para o futuro negócio e, ainda empregada, pesquisou uma área de atuação e se matriculou num curso de especialização, juntamente com o marido, que havia sido demitido. Antes mesmo de o curso começar, ela também foi demitida.
“Unimos as forças e o dinheiro da nossa rescisão para montar e estruturar a nossa agência de comunicação digital, separando uma grana para nos mantermos até que o negócio engrenasse. Já com tudo formado, fiz outro curso de capacitação para ter a real dimensão do que é empreender. Isso nos ajudou a dar passos mais direcionados, ter consciência e recursos emocionais para a tomada de decisões. A agência funciona há dois anos, e posso garantir que os primeiros meses foram de muito trabalho e pouco glamour. Mas está dando retorno. Tenho muito orgulho ao dizer que ninguém da família trabalha fora e a renda familiar é tirada hoje com os ganhos da agência. Ainda assim, vale dizer que, mesmo com cursos e conhecimento, a gente aprende mesmo na prática, com erros e acertos.”
Empresas oferecem ajuda e capacitação para as mães empreendedoras
Para preencher a lacuna da falta de capacitação para as mães que desejam empreender, startups voltadas especificamente ao empreendedorismo materno ajudam as mulheres a terem uma nova visão de negócios. Conheça algumas delas:
- Escola de Negócios da Mãe Empreendedora
O que é: Uma edtech do GRUPO M.Ã.E, que existe há 3 anos. A escola ajuda mães empreendedoras a entenderem conceitos de gestão e aplicarem técnicas e estratégias em seus negócios, sem precisar de conhecimentos prévios para isso. A metodologia GO!MAE simplifica conteúdos e conceitos, mostrando casos reais de mães empreendedoras, além de ter o foco nos pilares produtividade e equilíbrio, essenciais para quem deseja conciliar carreira e maternidade.
Objetivo: Ajudar mulheres a obterem lucro por meio de um negócio próprio saudável.
Impacto: No último ano, 3 mil mães empreendedoras foram capacitadas pelo GRUPO M.Ã.E, sendo que a estimativa é atender mais de 10 mil mães empreendedoras no próximo ano.
Investimento: Para ter acesso a mais de 100 aulas online, ao vivo, que vão desde como ter uma ideia de negócio até
abordagens de vendas escaláveis, a mãe paga uma assinatura de R$ 49,90 ao mês.
- Social Mom
O que é: Uma rede para desenvolvimento de mães empreendedoras, que une dois formatos: workshops (Social Mom School) e eventos (Social Mom Day). Tanto em um quanto no outro, as participantes compartilham conhecimentos e experiências sobre o empreendedorismo materno.
Objetivo: Capacitar, encorajar e conectar negócios entre mães empreendedoras, criando um ecossistema próspero, sustentável e acolhedor para os filhos.
Impacto: O Social Mom Day impactou cerca de 5 milhões de mães (redes sociais e blogs parceiros), reunindo ao todo, mais de 600 mães empreendedoras que já assistiram as palestras, trocaram experiências e fizeram networking – um dos objetivos principais do projeto.
Investimento: A maioria das ações são gratuitas, sendo que os eventos custam até R$ 50.
- Marketing de Mãe pra Mãe
O que é: Originado de um grupo no Facebook, a MMPM nasceu como uma agência de marketing para mães empreendedoras, mas não demorou para tornar-se uma aceleradora, promovendo conexões e capacitação. Anualmente as mães da rede se encontram num evento de capacitação chamado Motherworking.
Objetivo: Fornecer mentoria, apoio e estratégias de marketing e vendas para que a mãe empreendedora consiga alavancar seu empreendimento.
Impacto: Ao longo de dez anos de trabalho, mais 20 mil pessoas consomem conteúdos disponibilizados nas redes sociais, sendo que cerca de mil mães tiveram seus negócios acelerados.
Investimento: Além do conteúdo disponibilizado gratuitamente nas plataformas, há pacotes que comportam 10 horas de mentoria em grupo, por R$ 697.
- Maternativa
O que é: Tal qual uma locomotiva, a maternidade se transforma e se move, daí o nome dessa startup de impacto social, que une as palavras “maternidade” e “locomotiva”. O grupo do Facebook se propõe a fomentar o empreendedorismo materno, discutir e transformar a relação entre as mães e o trabalho. Também funciona como um espaço aberto para troca de conteúdos, informações e reflexões sobre negócios e mercado. Há ainda os encontros presenciais uma vez ao mês, e feiras para a venda dos produtos das mães empreendedoras, que acontecem ao longo do ano.
Objetivo: Repensar a relação das mães com o mercado de trabalho.
Impacto: Além das trocas de experiências diárias promovidas por um grupo no Facebook bastante ativo e que conta com mais de 24 mil mães, a rede já promoveu mais de 50 encontros, impactando presencialmente cerca de 2.500 mães. Investimento: Não há custo para participar do grupo no Facebook, assim como para assistir as palestras que são realizadas nos encontros maternos uma vez ao mês.
6 armadilhas do empreendedorismo materno
Diversas ciladas criadas em torno de um negócio impedem que as mães empreendedoras tenham uma visão mais clara
do que é necessário para que seu produto ou serviço se sustente no mercado. Aqui, a consultora educacional em
projetos de treinamento para empresas, Sabrina Wenckstern, listar as mais comuns:
1. Falta de tempo
Ao contrário da crença que diz que ao sair do mercado de trabalho para empreender você terá mais tempo para os filhos, a realidade é que até que seu negocie decole, será necessário trabalhar mais do que as 40 semanais que você estava acostumada. E muitas vezes, boa parte dessas horas será dividindo a atenção entre o computador e o filho, o que leva a um outro problema que é a qualidade do tempo. Não adianta suar a camisa durante 12 horas diárias, mas não realizar o que precisava ser feito. A solução está numa rede de apoio que te ajude com a criança enquanto você trabalha.
2. Falta de conhecimento
Mesmo que você seja uma designer oferecendo serviços de designer, será preciso adquirir capacitações que você ainda não têm, como entender de marketing para anunciar de forma mais certeira seus serviços; ter controle financeiro e administrar planilhas; e entender de contratos. Ou seja: além de todas as tarefas que você já faria naturalmente, será preciso dedicar tempo a essa atividade extra. Além disso, ao empreender por necessidade e não por oportunidade, muitas vezes, as mulheres buscam áreas desconhecidas, tendo que aprender tudo do zero sobre o novo ramo. Tanto no primeiro caso quanto no segundo, existe o risco de atrasar o crescimento do negócio.
3. Falta de capital inicial
Muitas empreendedoras se jogam se cabeça numa ideia sem ter um valor que sustente o negócio durante o tempo de maturação, que é aquele período em que ele se estrutura, fica conhecido, até chegar à fase do lucro. Alguns negócios alcançam lucro em 6 meses, outros levam 6 anos. E se você não tiver programado um respiro financeiro para se manter nesse meio tempo, o negócio pode morrer na metade do caminho.
4. Interesse temporário
É muito comum encontrar mulheres que ao se tornarem mães se apaixonaram pelo universo infantil e criaram produtos voltados à primeira infância. Porém, conforme os filhos cresceram, elas próprias perdem o interesse naquele tipo de produto e em manterem-se no ramo.
5. Falta de apoio e reconhecimento familiar
Muitas vezes os familiares próximos esperam um retorno financeiro rápido. E aí, sem ter os lucros para apresentar, a tendência é que a mulher se sinta cobrada, especialmente do parceiro, que “segura” as contas da casa. Resultado? Com a pressão, ela pode ouvir que fica em casa o dia todo e não dá conta nem de empreender nem de manter a casa
arrumada, ficando desestimulada.
6. Carga mental
Todos os fatores citados acima levam à famosa carga mental, que é resultado da sobrecarga de todas as demandas do negócio, além do estado emocional, que pode ficar mais abalado. E isso vai se refletir na sua produtividade e criatividade, formando um ciclo nada saudável.
Maternidade: impulso e não empecilho
Assim como existem startups voltadas à capacitação das mães para que tenham êxito em seus empreendimentos, há iniciativas que visam trabalhar a mudança de cultura e comportamento das empresas em relação as mães, a fim de que a maternidade seja vista como um impulso e não empecilho para o crescimento profissional.
“Nossa luta é para que as mães possam de fato escolher o que é melhor para elas. Abandonar a carreira, empreender ou voltar ao trabalho após ter filhos tem que ser uma escolha consciente e não uma falta de opção”, defendem Luciana Cattony e Susana Zaman, criadoras do projeto Maternidade nas Empresas, e professoras do MBA de Diversidade Desenvolvimento de Práticas Inclusivas nas Organizações, da Universidade La Salle, em Canoas (RS).
As especialistas reforçam ainda que após se tornar mãe, a mulher desenvolve habilidades ou softskills que podem ser usados no ambiente corporativo, como gestão de recursos, comunicação, liderança, capacidade de improvisar e de assumir riscos. E completam: “Acreditamos que o papel das empresas mudou. O futuro será feito por organizações que entendem a equidade de gênero como poderoso instrumento para alavancar ambientes, negócios e culturas. Mais do que nunca, não faz sentido a mulher ter que escolher entre carreira ou filhos.”
Quer se manter no mundo corporativo?
- Maternidade nas Empresas
Consultoria para equidade de gênero com foco na maternidade, tem como missão ajudar as empresas com estratégias de negócios que contribuem para atrair e reter talentos femininos e valorizar a mulher/mãe no mercado de trabalho. Suas palestras e workshops já impactaram mais de 7 mil pessoas.
- M.A.M – Mães Atuantes no Mercado
Idealizada por profissionais de RH, inovação e comunicação, a consultoria incentiva a recolocação profissional das mães, oferecendo a elas a divulgação de vagas com flexibilidade ou benefícios, além de dar dicas de carreira. A plataforma é também um banco de currículos, fazendo a conexão entre as mães e as corporações. E para as mães que desejarem uma consultoria para se saírem melhor na recolocação, há a possibilidade de pagar pela coaching de carreira. Já para as empresas, oferece consultoria para implementação de projetos de acolhimento e desenvolvimento de mães.
- Contrate uma mãe
É um banco de currículo que faz a ponte entre mães que querem retornar ao mercado de trabalho e empresas que desejam contratar mães. Idealizado por profissionais de RH, inovação e comunicação, tem como missão incentivar mães a perceberem o seu real valor e a se recolocarem no mercado de trabalho com mais orientação e melhores condições de empregabilidade.
- Filhos no currículo
A empresa oferece programas corporativos pensados para todas as fases da jornada de mães e pais, desde a gestação até o retorno ao trabalho pós-licença. Auxilia outras empresas a revisitarem suas estratégias através de projetos de consultoria e ações de conscientização, incluindo os filhos de seus funcionários no centro de suas estratégias e fóruns de discussão. Lançou também o movimento #meufilhonocurriculo, incentivando mães e pais a contarem no currículo e perfil do Linkedin que têm filhos. Também lançaram a camiseta personalizada do projeto, com o nome do filho estampado, para influenciar esse movimento.
Por Aline Dini