(Brasil Post, 25/06/2014) Luciano Huck, apresentador da TV Globo conhecido pelos quadros de “caridade”, fez um convite desconcertante a mulheres nos seus perfis no Facebook e no Twitter.
Ele pede a mulheres cariocas e solteiras que se inscrevam para conseguir o “seu gringo dos sonhos” que está no Brasil para a Copa do Mundo.
Sim, há muitos gringos interessados nas brasileiras e, sim, também há muitas brasileiras interessadas nos gringos. A festa na Vila Madalena, em São Paulo, mostra isso. Mas também ouvi relatos de amigas que testemunharam lá a violência contra a mulher, com homens cercando brasileiras, puxando braço, obrigando a beijar, xingando e às vezes até agredindo em caso de recusa.
Como jornalista, eu acredito na responsabilidade social dos meios de comunicação de interpretar os fatos e difundir conhecimento, prestando um serviço ao leitor ou telespectador. Há quem diga que o jornalismo “constroi a realidade”, dada sua influência na sociedade. Eu mantenho viva minha crença universitária de que é possível fazer do mundo um lugar um pouquinho melhor, mesmo por alguns minutos, com o jornalismo. O programa do Hulk é de entretenimento, não jornalismo, mas é marcado por “responsabilidade social” também.
Só que são poucos os que pensam que desconstruir estereótipos é prestar um serviço, claro. É mais fácil pegar onda no senso comum e ter audiência em cima disso do que lucrar contrariando estereótipos. Bem mais fácil.
O problema é que o estereótipo da brasileira interessada no gringo está ligado a uma realidade bem obscura. Tem a ver com prostituição, sim, e tem a ver com as desigualdades sociais do Brasil. As brasileiras não foram apenas eleitas como as maiores beldades mundiais, elas também figuram em um triste “top 3”, das três nacionalidades mais frequentemente alvo de tráfico de pessoas. “Perdemos” apenas para as nigerianas e as chinesas, segundo o primeiro levantamento publicado pela União Europeia sobre o tráfico de seres humanos em todo o continente, este ano. Segundo os dados da UE, mais de 2 mil mulheres estrangeiras são identificadas por ano como vítimas de tráfico, muitas delas trabalhando como escravas modernas.
Muitas vezes o tráfico é realizado através da prostituição, outro “produto de exportação” famoso do Brasil. A prostituição em si não é o problema, visto que não é crime e deveria ser uma profissão regulamentada, mas sim a exploração sexual. Dois terços das vítimas de tráfico para fins de exploração sexual do mundo são mulheres, e a maioria dessas mulheres vêm de classes populares e vão parar na escravidão com a ilusão de que um namorado gringo vai tirá-las da miséria e tratá-las bem como em “Uma linda mulher”. O que me lembra de uma frase de um “namorado gringo” citado em uma reportagem da Agência Pública sobre exploração sexual durante a Copa. Ele disse para as autoridades brasileiras ao ser preso: “Eu não tô traficando ninguém. Tenho o documento da mãe da menina. Olha aqui onde ela morava, olha como está a casa dela agora depois que eu ajudei. Onde vocês estavam?” Ou seja, tem tudo a ver com vulnerabilidade socioeconômica e tem tudo a ver, também, com questões de gênero.
A exploração sexual diz respeito sim à objetificação da mulher, do olhar tão disseminado de que a mulher existe para a satisfação do homem, que ela precisa ser bonita para ser “admirada”, precisa ser sexualizada para dar prazer ao homem, para citar apenas dois estereótipos que as brasileiras carregam.
Como disse Simone de Beauvoir no volume um do livro “O Segundo Sexo”, a mulher “não é senão o que o homem decida que seja”. “Para ele, a fêmea é sexo, logo ela o é absolutamente. A mulher determina-se e diferencia-se em relação ao homem e não este em relação a ela; a fêmea é o inessencial perante o essencial. O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro.”
Se está decidido que a brasileira é bonita, sexualizada e interessada em um gringo, assim o é. E haverá mulheres que vão confirmar o estereótipo, mesmo que sejam assediadas em festas de rua, mesmo que se sintam obrigadas a fazer sexo com ares de consensual, mesmo que, no fundo, não se sintam assim tão confortáveis com isso. “O homem que constitui a mulher como um Outro encontrará, nela, profundas cumplicidades. Assim, a mulher não se reivindica como sujeito, porque não possui os meios concretos para tanto, porque sente o laço necessário que a prende ao homem sem reclamar a reciprocidade dele, e porque, muitas vezes, se compraz no seu papel de Outro”, já dizia Beauvoir. É simples acreditar que um gringo é a solução dos seus problemas. É fácil crer e propagar estereótipos. Mas é também uma armadilha cruel.
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