Socióloga classificou como ‘péssimo exemplo’ a postura da torcida brasileira, que xingou a presidente no jogo contra a Croácia
(O Globo, 13/06/2014) O xingamento sofrido pela presidente Dilma Rousseff, na última quinta-feira, durante a abertura da Copa do Mundo, na Arena Corinthians, teve repercussão em vários níveis. Para além das redes sociais, estudiosos ouvidos pelo GLOBO veem o fato como uma demonstração de machismo e de uma postura anti-cidadã. De acordo com especialistas, as palavras proferidas pela torcida foram motivadas por valores conservadores e divergências ideológicas em relação à presidente.
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— Acho que seria muito pouco provável que fizessem isso para o Fernando Henrique ou para o Lula. O fato de ela ser mulher deu a eles um empoderamento para insultar que eles não teriam tanto, caso tivessem um presidente homem. Temos uma elite despreparada para ver uma presidenta mulher. Humilharam a mulher brasileira na pessoa da Dilma — argumenta Ana Thurler, socióloga colaboradora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea).
Economista dedicada à questão de gênero, Hildete Pereira de Melo, aponta o mesmo problema que Ana Thurler. Para Hildete, o protesto é um reflexo de uma sociedade conservadora.
— Essa ação está ligada aos valores patriarcais da nossa sociedade. A ideia de que para mulher se pode dizer tudo está por trás do xingamento. Na abertura dos Jogos Pan-Americanos, houve uma vaia. Mas, o Lula foi apenas vaiado, não foi xingado, e era um público similar ao que estava ontem no Itaquerão — questiona.
Na cerimônia de 2007, o ex-presidente Lula foi vaiado em seis diferentes momentos da festa, todas as vezes quando teve seu nome citado ou apareceu em um telão. Ele acabou não cumprindo o papel cerimonial de declarar abertos os Jogos no Rio. Na época, a tarefa ficou por conta de Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB).
As estudiosas também destacam que o insulto partiu de uma torcida composta pela elite brasileira, que dispõe de renda para frequentar o evento. Segundo Ana Thurler, a postura das arquibancadas foi anti-cidadã e demonstrou a prepotência e falta de educação da classe A.
— Cidadania inclui a capacidade de convivência respeitosa e a elite brasileira não tem consciência de cidadania. Esse comportamento de xingar para o mundo inteiro é anti-cidadão. A Presidência da República é uma instituição que deve ser respeitada. Temos uma elite prepotente, arrogante, que acha que pode fazer e dizer o que bem entende. As arquibancadas estão repletas de gente branquíssima e de classe A, com falta de educação e sexista.
Hildete acrescenta que a questão foi também ideológica. Para ela, as pessoas que estavam no estádio não simpatizam com Dilma porque pensam projetos de país diferentes do que o governo vem pondo em prática.
— O público que estava lá não precisa de transporte publico, de saúde publica… Era uma plateia que não gosta dela, porque ela é mulher, mas também porque não compartilha dos mesmos projetos que o governo. Eles não gostam da Dilma, as empregadas deles é que gostam — completa.
Ensaísta e colunista do GLOBO, José Miguel Wisnik, autor do livro Veneno Remédio: O Futebol e o Brasil, considera que o xingamento é uma característica inerente a uma torcida no ambiente do estádio, apesar de ser “uma grosseria”.
— Quem está ali tem um poder aquisitivo maior. No entanto, existe sim uma tendência do público de manifestar insatisfação em torcidas de estádios. É como a frase do Nelson Rodrigues que diz “a torcida de futebol vaia até minuto de silêncio”. Ali, a população faz dos governantes o bode expiatório— pondera.
Ana Thurler ressaltou ainda como origem do comportamento da torcida, o problema de educação do Brasil, que ainda é sexista.
— Deu para ter uma percepção de quão machista o Brasil ainda é. Não foi feita uma pesquisa de gênero, mas acredito que 3/4 da torcida deveriam ser homens, homens adultos. Não eram meninos e nem adolescentes, eram adultos que acabaram dando um péssimo exemplo.
Paula Ferreira e Rafaela Marinho
Acesse em pdf: Xingamentos a Dilma foram expressão de machismo e falta de cidadania, dizem especialistas (O Globo, 13/06/2014)
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