O alarmante número de mulheres em situação de violência doméstica no Brasil estampa apenas o “pano de fundo” de um cenário camuflado pelo silêncio, pois se trata de um crime de caráter intimista e cultural, portanto, subnotificado. Considerando, ainda, que a mulher pode levar de 9 a 10 anos para quebrar o ciclo das violações, segundo várias pesquisas, logo a real estatística dos números de mulheres nesse contexto de violência é bem maior do que revelam os dados.
(Estadão.com, 24/11/2018 – acesse no site de origem)
Indubitavelmente, a pergunta mais inquietante ecoa nos ouvidos de muitos, contudo, trata-se de um questionamento com várias respostas: afinal, por que a mulher permanece na relação de violência? A recente pesquisa do DataSenado responde a essa pergunta, segundo ela, o medo, a vergonha, a descrença no cumprimento da lei, os filhos e a dependência econômica também são os principais motivos.
Drástica falácia é delegar à mulher o processo de enfrentamento à violência, com responsabilização pela ausência de denúncia e a vitimização por meio de julgamentos e culpas. Os crimes contra as mulheres ultrapassam os muros dos lares, pois outorga poder e dever de combate ao judiciário, poder público, sociedade, organizações e empresas, conforme ditame legal.
O vanguardismo da Lei Maria da Penha a consagra a 3.ª lei do mundo, exatamente por contemplar em seu bojo o pilar da prevenção e assistência, e, assim, apontar os legitimados para atuar diretamente no combate à violência doméstica e familiar. A legislação é didática e não permite dúvidas quanto ao papel de cada um dos responsáveis na execução e efetividade das ações.
Dos vários caminhos a serem percorridos, a bússola aponta a necessidade basilar de empoderar e capacitar profissionalmente as mulheres para o mercado de trabalho, sobretudo, garantindo igualdade de condições, plano de carreira e equidade salarial. Consagrando políticas empresarias com fito de fomentar a empregabilidade e a inserção das mulheres nos diferentes postos e cargos dentro das organizações.
Empresas humanamente poderosas emprestam espaços para o protagonismo profissional, desenvolvem talentos, qualificam e ajustam seus planos de ações para transformar falidos indicadores, como absenteísmo, baixa produtividade, desigualdade salarial e discriminação em verdadeiros resultados de sucesso.
Qualificar, capacitar e empregar mulheres em situação de violência doméstica é o mesmo que atuar diretamente no desmonte e enfrentamento de violações, o que proporciona uma mudança socioeconômica. Asseguradamente, não existe mercado de trabalho sustentável sem a força da mulher, nessa seara, o mercado que não valoriza a mão de obra feminina ocasiona um déficit de riquezas em âmbito nacional.
A pioneira pesquisa “das condições socioeconômicas e violência doméstica e familiar”, realizada pela Universidade Federal do Ceará e Instituto Maria da Penha, estima que o Brasil deixa de gerar aproximadamente 1 bilhão ao ano como consequência da violência. Logo, o envolvimento das empresas no enfrentamento dessa realidade tem o desiderato de se transformar em agentes de mudanças, para desconstruir uma vida de submissão e medo, resgatar a dignidade das mulheres e a condição de destaque no mercado de trabalho.
Entende-se que o silêncio empresarial acerca da violência de gênero mutila a econômica e reforça o ciclo reiterado de exclusões das mulheres no mercado de trabalho, além de estabelecer um distanciamento dos cargos de liderança, manutenção das vagas e diferenças salariais. Notória é a necessidade de políticas empresariais com a finalidade de coibir toda e qualquer forma de violência contra as mulheres, assim como a eliminação das desigualdades de gênero. É fundamental que os planos de ações precisam estar alinhados com o combate à violência, à desmistificação e ausência de revitimização.
Embora cada vez mais as mulheres atinjam a sua independência profissional e econômica e escreva sua própria história, o mercado de trabalho precisa alinhar-se às demandas femininas e adequar às transformações necessárias sob a perspectiva de gênero.
Cândida Cristina Coelho F. Magalhães, advogada