(El País, 07/05/2016) Três Estados mexicanos absolvem acusados de relações sexuais com adolescentes caso decidam se casar
No México, o sexo com adolescentes é punido com prisão, seja forçado ou consensual sob falsos pretextos. Se o adulto é uma autoridade do Governo, religiosa ou do setor de educação, a pena é maior. Mas há uma exceção: em três Estados mexicanos, o adulto é absolvido caso decida se casar com o menor de idade. Especialistas classificam a regra como retrógrada e violadora dos direitos das crianças, além de desrespeitar vários mecanismos internacionais assinados pelo México e que o país está obrigado a cumprir.
Os Estados de Sonora, Campeche e Baixa Califórnia incluem em seus códigos penas que vão de três meses e seis anos de prisão para os que “tenham relações” com uma pessoa entre 14 e 18 anos, mas concedem a absolvição caso o estuprador se case com o adolescente. Nos Estados do norte Sonora e Baixa Califórnia, além disso, os adolescentes do sexo masculino e as vítimas de exploração sexual ficam desprotegidos, pois o crime de estupro (sexo com adolescentes) está tipificado como a relação sexual com “uma mulher” menor de 18 anos, “casta e honesta” ou que “vive honestamente”.
“O estupro é uma forma sorrateira para não reconhecer o abuso, é um eufemismo. É uma porta de saída rápida, porque quem tem de provar que não foi com consentimento é a vítima. O que temos são estupros dissimulados que resultam em casos de tráfico [de pessoas]; o estuprador se casa e, assim, a exploração é acobertada com o matrimônio”, disse Juan Martín Pérez, diretor da Rede pelos Direitos da Infância (Redim).
A origem do estupro e da cláusula de casamento está na “cultura patriarcal que arrastamos por muitos anos”, com uma lei violenta que procura manter um status quoem vez de proteger a criança, avalia Patricia González, pesquisadora da Universidade Nacional. A vontade dos menores em tais casos é necessariamente desrespeitada, diz a advogada, porque, ao ter menos idade, o adolescente fica vulnerável diante de quem tem mais experiência.
“Como juíza, a maioria dos casos que conduzi resultaram em divórcio quase imediato; moravam com a vítima há um mês e, em seguida, desapareciam, as abandonavam”, afirma a ex-promotora de Chihuahua, Estado conhecido por seu alto número de feminicídios.
A absolvição é concedida como uma forma de compensação para a vítima em locais onde sua honra se sobrepõe aos seus direitos, a família acredita que a filha foi “manchada” e que o casamento repara essa falta, explica a especialista.
Mesmo se a adolescente ou o adolescente declararam que sua relação com o adulto foi voluntária, continua sendo um abuso, pois o maior de idade está em uma posição de poder, avaliam os especialistas. A lei federal considera o estupro como a “relação com uma pessoa com mais de 12 anos e menos de 18, obtendo seu consentimento com pretextos”, implicando que em um julgamento teria de ser provado que o menor foi enganado. Ativistas dizem que o sexo com menores de idade deve ser tipificado como abuso sexual, eliminando a figura do estupro e proibindo completamente o casamento com crianças e adolescentes.
“A evidência mostra que, em termos psicológicos, um adolescente não tem tantos elementos [para decidir]. Caso se case antes da maioridade está em desvantagem, porque isso limita seu desenvolvimento biológico e psicológico”, diz Juan Martín Pérez.
O diretor da Redim diz que sete em cada 10 meninas com idades entre 15 e 17 anos que estão casadas o fizeram com homens 10 anos mais velhos, situação permitida por uma “lei machista” que perpetua relações abusivas ou de violência sexual.
“Há adolescentes que se apaixonam por um adulto, seu professor, por exemplo, que os seduz”, diz Laura Martínez, diretora da Associação para o Desenvolvimento Integral de Pessoas Estupradas (Adivac). Embora a relação seja consensual, é responsabilidade do adulto evitá-la, porque é ele que pode ser punido por abusar de sua posição de poder, diz a especialista.
Além disso, seis Estados punem o sexo com menores entre 16 e 18 anos: em Coahuila, Guanajuato, Michoacán, San Luis Potosí, Sinaloa e Aguascalientes é permitido ter relações com uma pessoa de 17 anos. Por outro lado, Nuevo León não considera estupro uma relação resultante de “um ato ilegal de transação comercial”, ou seja, a exploração sexual; já Tlaxcala considera o ato como uma forma de estupro. Especialistas alertam que todo o país deve ter um código homologado para evitar lacunas jurídicas e que o Governo federal deve implementar e fazer cumprir as normas internacionais as quais está vinculado.
O QUE DIZEM OS CÓDIGOS PENAIS?
Baixa Califórnia
Artigo 182. Quem tenha relação com uma mulher 14 anos de idade e menos de 18, casta e honesta, obtendo seu consentimento por meio de sedução ou engano, será passível de dois a seis anos de prisão e uma multa de até cem dias de salário.
A pena pode ser aumentada em até três anos, caso o estuprador esteja legalmente impedido de se casar (como um ministro religioso). Não haverá punição contra o estuprador, caso a queixa não seja apresentada pela mulher abusada ou pelos pais; na ausência destes, deve ser apresentada por seus representantes legais; mas, quando o agressor se casa com a vítima, qualquer ação para processá-lo será suspensa ou a pena imposta será anulada.
Campeche
Artigo 164. O crime de estupro é cometido por aquele que tenha relação com o consentimento da pessoa com mais de 14 anos e menos de 18, independentemente do sexo. Quem comete o crime de estupro estará sujeito entre seis meses e três anos de prisão e uma multa 200 a 400 dias de salário. Quando o consentimento é obtido através de qualquer tipo de pretexto, as penas são aumentadas em um terço.
Artigo 166. Em caso de estupro, a ação criminal será eliminada se o sujeito ativo e passivo se casam, de acordo com a lei sobre o assunto, sempre e quando expressem o desejo de se unir em vínculo matrimonial de maneira voluntária, sem que exista algum tipo de vício da vontade.
Sonora
Artigo 215. O crime de estupro é cometido por aquele que tem relações sexuais com uma mulher com menos de 18 anos e que vive honestamente, obtendo seu consentimento por meio de sedução ou engano. O estuprador será punido com pena de prisão de três meses a três anos e multa de 10 a 150 dias de salário. Quando a conduta referida no parágrafo anterior for realizada no âmbito das instituições de educação básica, média, superior ou em suas imediações, a pena é aumentada pela metade.
Artigo 216. O estuprador não será processado, a não ser pela queixa da mulher abusada ou por seus pais; na sua ausência destes, por seus representantes legais; mas, quando o acusado se casar com a mulher abusada, qualquer ação para puni-lo será eliminada como também a pena imposta. Pelo simples fato da mulher estuprada não ter ainda 16 anos, presume-se que foi utilizada a sedução na obtenção de consentimento para relações sexuais.
Acesse no site de origem: Casamento como perdão de abuso sexual contra menores (El País, 07/05/2016)