(R7, 10/12/2015) Ditadura fez 163 vítimas no RJ, revela relatório da Comissão da Verdade do Rio. Levantamento aponta 19 locais que foram usados para tortura no Estado
O relatório final da Comissão da Verdade do Rio, que será entregue nesta quarta-feira (10) ao governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), mostra que o regime militar fez 163 vítimas — mortas ou desaparecidas — no Estado do Rio de Janeiro. O número, que inclui pessoas que morreram ou sumiram no Estado, além de vítimas que nasceram no Rio, acrescenta 48 nomes de moradores de áreas rurais ao levantamento nacional feito no ano passado.
A pesquisa revela que 19 locais foram usados para tortura no Estado. Entre eles, a Vila Militar, localizada entre os bairros de Realengo e Deodoro, zona oeste; a Base Aérea do Galeão, na Ilha do Governador, zona norte; e o Hospital Central do Exército, em Benfica, zona norte.
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O documento também traz depoimentos de mulheres que sofreram durante o regime militar. Além de serem torturadas por se posicionarem contra a ditadura, elas eram humilhadas por não se submeterem a “papéis tradicionais”, como diz a presidente da comissão Rosa Cardoso.
— Havia também a posição dos perpetradores de violência, uma visão bem machista, de que mulher tinha que estar em casa e mulher que estava na rua era uma vadia que não merecia nenhum respeito como pessoa, porque não merecia respeito como mulher.
Essa visão foi influenciada pelo fato de ocuparem a política, um espaço tradicionalmente destinado ao homem. Umas das vítimas, a militante Estrela Bohadanna, presa em 1970 aos 19 anos, relata no documento da comissão que era questionada por não estar em casa.
— Havia um desprezo por parte deles. Junto com a ideologia, vinha essa humilhação pelo fato de ser mulher, como se a gente estivesse extrapolando nosso papel de mulher. O tom era de: ‘por que você não está em casa, ao invés de estar aqui? Por que você perde tempo com coisas que não lhe dizem respeito?’
Na tortura, foram usadas a nudez forçada, choque elétrico na vagina e outras partes sensíveis, golpes no abdome a fim de provocar aborto em presas gestantes, além da inserção de objetos e animais, como baratas, nos órgãos genitais. Elas eram abusadas sexualmente e até usadas como cobaias para “aulas de tortura”, conforme relata a professora da Fundação Getúlio Vargas Dulce Pandolfi.
— O professor, diante dos seus alunos, fazia demonstrações com o meu corpo. Era uma espécie de aula prática, com algumas dicas teóricas. Enquanto eu levava choques elétricos, pendurada no tal do pau de arara, ouvi o professor dizer: ‘essa é a técnica mais eficaz’.
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A jornalista Maria Helena Guimarães Pereira também deu seu depoimento para a composição do relatório e disse que a ditadura foi responsável pela morte de dois filhos dela.
— Comecei logo a apanhar, imediatamente, ele começou a me dar chutes na barriga, me bateu muito de palmatória, me espancou e logo eu comecei a perder sangue, e abortei ali mesmo. E dava muito soco (…) ele batia muito na barriga (…). E eu dizia: ‘Por que você me bate tanto na barriga?’ Ele falou: ‘Porque é menos um comunista’.
A visão preconceituosa também se aplicava aos negros e LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros). O grupo era perseguido tanto por reivindicar questões políticas quanto por causa da cor de pele e opção sexual.
A presidente da comissão relata que eles também eram acusados de não merecerem participar da luta política.
Ditadura nas favelas
A Ditadura também afetou moradores de comunidades do Rio, que sofreram perseguições e foram removidos das casas por causa de interesses do governo nas áreas onde residiam. De acordo com a presidente da comissão, durante meados da década de 60 e início dos anos 70, quase 100 mil pessoas foram obrigadas a sair de favelas.
Os locais eram alvo de grande especulação imobiliária. Além disso, divulgava-se a informação na época de que as comunidades seriam um espaço de propagação da ideologia comunista.
Segundo a comissão, a tentativa do Estado era de acabar com as favelas e a visão se tornou mais forte durante a ditadura. Um dos casos mais lembrados de remoção é o da comunidade da Praia do Pinto. Apesar da prisão dos líderes da resistência, as pessoas continuaram se opondo à vontade do governo de que elas saíssem do local.
A luta durou até que o lugar pegasse fogo, destruindo 800 barracos e deixando mais de 4.000 desabrigados. Até hoje não se sabe ao certo se o incêndio foi provocado por agentes do governo ou se tratou de um acidente. O líder comunitário da Vila Autódromo, Altair Guimarães, conta no documento que os moradores foram despejados em condições sub-humanas.
— Fomos tirados dessas comunidades [Favela do Pinto, Ilha das Dragas e Ilha dos Caiçaras] como animais. Na época, a Comlurb 10 tinha caminhões com janelinhas iguais às dos trens. O governo, a Polícia Militar e a Comlurb iam botando nossas coisas pra cima dos caminhões de lixo, metendo pé de cabra e marreta nos barracos, derrubando. Não respeitavam as crianças, não respeitavam os mais velhos e não é diferente hoje. A mesma coisa que acontecia na época da ditadura acontece hoje.
A comissão ainda mostra que trabalhadores rurais e urbanos sofreram no período ditatorial, pois eram tirados das terras e perseguidos por lutarem por melhores condições de trabalho. Em ambos os casos, é possível ver uma luta por direitos que motivou a perseguição política.
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Pesquisa levou quase três anos
O documento produzido pela Comissão da Verdade do Rio levou dois anos e oito meses para ficar pronto. O relatório foi dividido em seis partes. Nele, também estão contidas recomendações ao Estado para que as violações de direitos humanos não se repitam.
A comissão foi criada em maio de 2013 com o objetivo de esclarecer as perseguições sofridas no período da Ditadura Militar, que durou de 1964 a 1988.
*Caroline Brizon, do R7 Rio
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