Conceição Evaristo, celebrada por usar suas experiências de mulher negra na escrita, lança novo livro

20 de novembro, 2018

Escritora acredita que, após sua candidatura, autores negros se sentirão mais à vontade para disputar eleição da ABL

(O Globo, 20/11/2018 – acesse no site de origem)

Desde que explodiu como uma das mais celebradas autoras do país, Conceição Evaristo tem sido tão solicitada que demorou dois anos e meio para terminar seu novo livro, “Canção para ninar menino grande” (Editora Unipalmares). Vencedora do Prêmio Jabuti em 2015, com a reunião de contos “Olhos d’água”, e do Faz Diferença/Literatura, do GLOBO, em 2016, a autora mineira virou a atração mais desejada de nove entre dez festivais literários do país, deu palestras pelo mundo e teve sua candidatura lançada à Academia Brasileira de Letras.

— Quando eu me entusiasmo com o trabalho, ponho o cansaço de lado — ela diz. — É tanta disposição que as pessoas até invertem a minha idade. Pensam que eu tenho 17 anos, e não 71 — brinca.

Na semana passada, no Rio, ela deu palestra na Aliança Francesa, participou do Festival Mulheres do Mundo, ministrou oficinas de escrita e viajou para a 6ª Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra (Flinksampa), em São Paulo, onde é homenageada e lança “Canção para ninar…”.

Entre um compromisso e outro, posou para O GLOBO na esquina da Rua da Conceição com Rua Júlia Lopes de Almeida (a grande autora carioca que foi barrada na ABL após participar ativamente da sua fundação) e subiu até o Morro da Conceição. Reconhecida durante a caminhada, foi parada por fãs, recebeu convites para cafés e pedidos de selfie… Houve até um grupo que desceu do táxi antes do fim da viagem para que ela pudesse voltar para casa.

Com toda essa moral, Conceição diz estar curiosa para saber como o público irá receber seu novo livro. Isso porque o romance — quinta obra de ficção da autora— pode soar um pouco diferente aos leitores habituados à escrita dela. Conhecida por colocar suas experiências pessoais e subjetividades de mulher negra nas histórias, a autora parece concentrar-se agora num personagem masculino.

Na semana passada, no Rio, ela deu palestra na Aliança Francesa, participou do Festival Mulheres do Mundo, ministrou oficinas de escrita e viajou para a 6ª Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra (Flinksampa), em São Paulo, onde é homenageada e lança “Canção para ninar…”.

Entre um compromisso e outro, posou para O GLOBO na esquina da Rua da Conceição com Rua Júlia Lopes de Almeida (a grande autora carioca que foi barrada na ABL após participar ativamente da sua fundação) e subiu até o Morro da Conceição. Reconhecida durante a caminhada, foi parada por fãs, recebeu convites para cafés e pedidos de selfie… Houve até um grupo que desceu do táxi antes do fim da viagem para que ela pudesse voltar para casa.

Com toda essa moral, Conceição diz estar curiosa para saber como o público irá receber seu novo livro. Isso porque o romance — quinta obra de ficção da autora— pode soar um pouco diferente aos leitores habituados à escrita dela. Conhecida por colocar suas experiências pessoais e subjetividades de mulher negra nas histórias, a autora parece concentrar-se agora num personagem masculino.

Capa do novo livro de Conceição Evaristo Foto: Divulgação

Capa do novo livro de Conceição Evaristo Foto: Divulgação

Como se vê, as coisas são mais complexas do que parecem. E o próprio Jasmim, com suas fragilidades, foge do estereótipo de cafajeste. Ao fazer amizade com uma mulher lésbica, questiona sua relação com o sexo oposto e tem seu momento de desconstrução.

Diversidade na ABL

A interseção entre racismo e machismo é outro ponto importante de “Canção para ninar menino grande” . “A única hora em que homem negro está par a par com o homem branco é a hora em que ele exerce o seu machismo”, cita Conceição Evaristo.

Quando se trata de conquistar mulheres, o “protagonista” Fio Jasmim se julga potente como qualquer homem branco. Mas esse instinto é abalado por episódios traumáticos de infância. Como quando, na escola, uma professora o impediu de fazer papel de príncipe por causa de sua cor. A lembrança, que volta, escancara sua vulnerabilidade social.

— Os homens negros podem e são tão machistas quanto os brancos — diz a autora mineira. — Mas, na nossa luta feminista, o primeiro inimigo não é o homem negro. O primeiro alvo do nosso combate é um estado patriarcal representado pelo homem branco. Isso não inocenta o homem negro em relação ao machismo, claro. Mas, entre um homem negro e um branco, o negro é o mais vulnerável.

Agora que o livro está terminado, Conceição garante que vai reduzir as atividades paralelas. Quer ter mais tempo disponível para escrever (entre os projetos, estão um infantil e outro romance).

Disputar uma nova vaga na ABL não está nos planos imediatos. Ela não se candidatou à cadeira de número 11, deixada pelo jurista, sociólogo e cientista político Helio Jaguaribe, morto em setembro deste ano.

Um mês antes, a escritora tentou a cadeira 7, que foi de Nelson Pereira dos Santos, morto em abril. Mas o vencedor foi o cineasta Cacá Diegues. Fora da casa de Machado de Assis, porém, Conceição gerou grande mobilização, com direito a uma petição reunindo 20 mil assinaturas.

— Minha candidatura foi totalmente diferente — defende — Ela questionou a própria Academia. Talvez tenha sido incômodo para alguns, mas para mim foi muito prazeroso. E para os que apoiaram também. Foi um processo muito significativo. Acho que outros escritores negros vão se sentir mais à vontade para se candidatar.

Serviço
“Canção para ninar menino grande”
Autora: Conceição Evaristo.
Editora: Unipalmares.
Páginas: 128.
Preço: R$ 45,90.

Trecho
“Fio Jasmim estava com 44 anos e, desde os 20, elegera Pérola Maria como sua esposa em cerimônia religiosa e civil. Viviam bem, segundo as palavras dele. A fala de Pérola, nem eu, nem Tina alcançamos. Não sei se alguma amiga do nosso círculo foi confidente dela. Uma vez, ouvimos alguém dizer que o prazer de Pérola era ter filhos. Assustamos. Essa não tinha sido a opção de muitas de nós. Amávamos sim os nossos filhos. Mas nem aquelas que acalentavam o desejo de ser mãe, e tiveram essa vontade atendida, fizeram desse prazer o único escolhido. Com Pérola, Fio Jasmim tinha oito filhos e estavam em vésperas do nono. Outras crianças, algumas mesmas da circunvizinhança, eram apontadas como filhas também de Jasmim. Dolores afirmava em alto e bom som que as gêmeas eram filhas do marido de Pérola Maria. Antonieta garantia que o seu caçula, o Jasminzinho, um dia ainda iria morar com o pai. Dalva Ruiva, por sua vez, com seus três filhos de cabelos de fogo, como os dela, porém encaracolados e bem crespos, como os daquele que era apontado como o pai das crianças, antes de voltar para o nordeste visitou o casal. Dizem que o encontro foi amistoso para os três adultos e divertido para os meninos. As duas mulheres, Pérola Maria e Dalva Ruiva, conversaram como se comadres fossem, enquanto as crianças de uma brincavam com as da outra. E, depois, aquelas que iam partir pediram a benção ao pai e despediram das que ficaram, chamando- as de manos. Nenhuma dessas relações Jasmim desmentia, mas também explicitamente não confirmava’.

Por Bolívar Torres

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