(Conjur, 09/11/2014) O homem mais decisivo do Judiciário americano é o ministro da Suprema Corte Anthony Kennedy. Talvez o mais poderoso. Sempre que uma decisão da corte tem conteúdo político, oito dos nove votos são favas contadas: quatro ministros indicados por presidentes democratas, votam de acordo com a linha “liberal”, e quatro dos cinco ministros indicados por presidentes republicanos votam na linha “conservadora”. Apenas o ministro Kennedy, indicado pelo republicano Ronald Reagan, vota de acordo com suas convicções jurídicas. Assim, a única pergunta relevante, quando um julgamento tem conteúdo político, é: como será o voto do ministro Kennedy?
A bem da verdade, houve uma exceção a esse histórico da corte. No julgamento do Obamacare, a nova lei de seguro-saúde dos EUA que favorece um pouco as classes menos favorecidas do país, o voto decisivo, a favor da proposta “liberal”, foi do presidente da corte, o ministro John Roberts, que é conservador.
Na quinta-feira (6/11), o ministro Kennedy voltou a ser o objeto das preces e das esperanças dos americanos que são a favor e contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A corte provavelmente terá de decidir se as leis de alguns estados americanos, que proíbem o casamento gay, são constitucionais ou não. E a comunidade jurídica e a imprensa já começaram a especular como será o voto do ministro Kennedy. Em 1996, 2003 e 2013, ele votou a favor dos direitos iguais dos gays e contra a discriminação, em casos diferentes.
A Suprema Corte fez o que pôde para lavar as mãos nessa disputa. Logo na abertura do ano judicial 2014/2015, a corte anunciou, sem ninguém perguntar, que não iria aceitar nenhum caso dos cinco estados cujas leis que proíbem o casamento gay foram derrubadas por tribunais federais de recurso — e que já recorreram à Suprema Corte. Dias depois, a ministra Ruth Ginsburg explicou, em uma entrevista à National Public Radio (NPR): “Quando não há desacordo entre os tribunais de recursos, nós não intervimos. Se acontecer de um tribunal de recursos ficar do outro lado, certamente teremos de julgar o caso”.
Foi o que aconteceu na quinta-feira: após uma sucessão de decisões de tribunais de recurso que, um após o outro, derrubaram leis que proibiam casamentos gays nos estados, o tribunal de recursos da Sexta Região foi contra a corrente. Por dois votos a um, decidiu que não encontrou nada na Constituição que dê aos casais do mesmo sexo o direito de casar, de acordo com o Legal Times o USA Today e outras publicações. O juiz Jeffrey Sutton escreveu, em nome da maioria, que o tribunal deveria, nesse tema, lavar as mãos:
“Quando os tribunais não deixam o povo resolver novas questões sociais como essa, eles perpetuam a ideia de que os heróis, nesses eventos transformadores, são os juízes e os advogados. O melhor nessa instância, pensamos, é permitir que as mudanças ocorram através do processo político costumeiro, no qual o povo — homossexuais ou heterossexuais igualmente — se tornem os heróis de suas próprias histórias, reunindo-se não como adversários em um sistema judicial, mas como concidadãos, tentando resolver uma nova questão social de uma maneira justa.”
A tese de que o Judiciário americano deve deixar decisões políticas para a Política é indiscutível. A estratégia do tribunal da Sexta Região, nem tanto. Com essa decisão, o juiz que é conservador, filiado ao Partido Republicano, deixou tudo do jeito que o Partido Republicano quer: o casamento gay continua proibido em Kentucky, Michigan, Ohio e Tennessee, os estados da Sexta Região.
A situação do casamento entre pessoas do mesmo sexo nos 50 estados americanos é a seguinte, no momento: 32 estados aprovaram o casamento gay e três outros devem se juntar ao grupo em breve, de forma que serão 35 estados a favor de direitos iguais para todos; 15 estados têm leis que proíbem casamentos entre pessoas do mesmo sexo, nove dos quais tiveram suas legislações derrubadas por tribunais de recurso, mas não se conformam. Os dois lados esperam que a Suprema Corte intervenha no caso, e apresente uma decisão definitiva, que unifique o país.
As consequências serão ímpares, provavelmente. Se a Suprema Corte votar a favor do casamento gay, ela trará a bordo os 15 estados resistentes: Ohio, Michigan, Kentucky, Tennessee, Flórida, Geórgia, Alabama, Mississippi, Louisiana, Texas, Arkansas, Missouri, Nebraska, Dakota do Sul e Dakota do Norte. Os EUA serão um país a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Se a Suprema Corte decidir contra o casamento gay, os EUA continuarão um país dividido nessa questão e só o tempo poderá mudar as coisas. Os 15 estados manterão sua proibição, os estados que aprovaram o casamento gay através do Legislativo manterão seu status quo. Porém, novas ações judiciais serão movidas por conservadores, contra o casamento gay, para derrubar decisões judiciais a favor do casamento gay, em alguns estados, e até mesmo legislações aprovadas por assembleias legislativas, em outros. Enfim, tudo continuará como dantes.
João Ozorio de Melo
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