(O Estado de S. Paulo, 21/11/2014) A cada hora, um homossexual sofre algum tipo de violência no Brasil. Nos últimos quatro anos, o número de denúncias ligadas à homofobia cresceu 460%. Segundo números obtidos pelo Estado, o Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDHPR), registrou 1.159 casos em 2011. Neste ano, em um levantamento até outubro, os episódios de preconceito contra gays, lésbicas, travestis e transexuais (LGBTT) já superam a marca de 6,5 mil denúncias. Os jovens são as principais vítimas dos atos violentos e representam 33% do total das ocorrências. A cada quatro casos de homofobia registrados no Brasil, três são com homens gays.
Estudante de Direito na USP, André Baliera, de 29 anos, foi espancado em 2012 por dois homens no bairro Pinheiros, zona oeste de São Paulo. Ele voltava a pé para a casa pela Rua Henrique Schaumann quando Bruno Portieri e Diego Souza o ofenderam pela sua orientação sexual. Após uma discussão, foi agredido pela dupla.
“Nos primeiros dias, não saía de casa. Fui ao psiquiatra, tomei remédios e fiquei seis meses sem passar na frente do posto em que fui agredido”, conta. Quase dois anos depois, receio e medo estão presentes no dia a dia. André continua a vida. Sai com os amigos, passeia com o namorado, mas ainda é alvo de preconceito. “Em junho deste ano estava com meu namorado assistindo um filme em Santos e fomos xingados de ‘viados’ dentro do cinema. Chamei a polícia na hora”, disse.
Para a SDHPR, o crescimento das denúncias é um fator positivo para combater a violência homofóbica. A coordenadora da área LGBT, Samanda Freitas, diz que o próximo desafio é garantir que esses crimes sejam apurados. “Precisamos melhorar o atendimento desses casos e isso passa por um treinamento dos policiais para que identifiquem os crimes de ódio LGBT e investiguem com o mesmo cuidado que as demais ocorrências”, afirmou.
Cerca de 26% dos casos acontecem nas ruas das grandes cidades. Em 2007, a transexual Renata Peron voltava de uma festa com um amigo quando nove rapazes os cercaram na Praça da República, centro da capital paulista. Trinta minutos de violência foram tempo suficiente para chutes, socos, xingamentos, três litros de sangue e um rim perdidos por Renata. Ela denunciou o crime na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), mas a investigação não teve sucesso.
“Ninguém foi preso e fica um sentimento de pena. Nem bicho faz essas coisas. Passei seis meses fazendo terapia para entender por que fui agredida.”
Renata, felizmente, não fez parte da estatística que deixa o Brasil na liderança do número de assassinatos de travestis e transexuais em todo o mundo, segundo relatório da ONG Transgeder Europe. Entre janeiro de 2008 e abril de 2013 foram 486 mortes, quatro vezes a mais que no México, segundo país com mais casos registrados.
Assassinatos. A mesma sorte não teve o filho de Avelino Mendes Fortuna, de 52 anos. Nesta semana, fez dois anos que Lucas Fortuna, de 28, morreu assassinado em Santo Agostim, na Grande Recife, em Pernambuco. Jornalista, foi espancado por uma dupla de homens e jogado ainda vivo no mar. Os assassinos foram presos e confessaram o crime por homofobia, mas no inquérito a polícia trata o caso como latrocínio.
Depois da morte do filho, Avelino virou ativista na ONG Mães pela Igualdade, que luta pelo fim da discriminação contra homossexuais e o engajamento dos pais LGBTs na vida de seus filhos. “O pai que não sai do armário junto com seu filho se torna cúmplice da morte e da agressão dele no futuro”, afirmou. “Um dos nossos objetivos é fazer com que os pais participem, lutem pelos direitos da sua família”, completou.
As estatísticas oficiais de homicídios de homossexuais no País são recentes. O Grupo Gay da Bahia há anos faz um levantamento anual a partir de notícias divulgada na mídia. Em 2014 já foram 257 casos registrados até novembro. Nos últimos 12 anos, o crescimento supera 180%.
Discriminação. A discriminação e a violência psicológica, no entanto, estão entre as ocorrências mais comuns registradas na SDRPH e delegacias especializadas em Direitos Humanos. Cerca de 76% dos casos são de homossexuais que sofrem preconceito no trabalho, assédio moral e perseguição. No Maranhão, o professor universitário Glécio Machado Siqueira, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), tem sido alvo de ofensas por parte dos estudantes de Ciências Agrárias.
“Desde o começo do ano recebo ameaças, injúrias e boicotes das minhas aulas por causa da minha orientação sexual. Entrei em contato com todas as instâncias da universidade e a resposta que recebi foi o silêncio”, reclama.
A Organização dos Advogados do Brasil entregou uma queixa-crime para a UFMA. A reportagem entrou em contato com a universidade, que não se manifestou. “É triste ver que numa universidade, onde estamos pra aprender e expandir conhecimentos, acontece essa homofobia velada. Toda a minha tristeza foi convertida na luta pelos meus direitos. Espero que todos os homossexuais tomem coragem pra fazer o mesmo”.
Para lembrar. Em um intervalo de sete dias, pelo menos três jovens foram vítimas de ataques violentos: dois deles, no último dia 9, foram agredidos por 15 homens em vagão do metrô. Marco Souza, de 19 anos, foi assassinado a facadas em frente ao Parque do Ibirapuera, no domingo passado. Há suspeita de que ele tenha sofrido um ataque homofóbico.
Edgar Maciel
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