(Extra, 15/06/2016) Leia os comentários da foto. Respire. Leia novamente. Vou pular um parágrafo antes de recomeçar.
O massacre foi em Orlando. Os comentários são de brasileiros. Mas não há distância quando o assunto é homofobia. Assim como existe uma cultura do estupro, evidenciada pelos relatos de mulheres que, diariamente, sofrem violência sexual no Brasil e em várias partes do mundo, também existe uma cultura da homofobia, cuja evidência não está apenas nos comentários acima, está na apatia de quem os lê sem indignação, está nos atos criminosos contra a comunidade LGBT, está na disseminação do ódio feita por personagens públicos como os deputados Jair Bolsonaro e Marcus Feliciano.
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Se você apoia uma dessas figuras, não se iluda, há sangue em suas mãos. Na engrenagem da intolerância, o gatilho nunca é puxado por uma única pessoa. O respaldo social potencializa a raiva, lustra a arma, coloca a munição.
Mais uma vez, recorro ao conceito de “narcisismo das pequenas diferenças”, explorado por Sigmund Freud nos textos Psicologia de grupo (1921) e Mal-estar na Civilização (1930). Para Freud, a civilização, sob o império da lei, é a responsável pela inibição da agressividade humana, que é uma expressão narcísica do ego. No entanto, tal narcisismo agressivo rompe a barreira do recalque e se manifesta publicamente quando incentivado por líderes que se supõem acima da lei (e, portanto, da civilização) ou quando avalizados por um grupo que recorre a pequenas diferenças em relação ao outro para justificar a barbárie.
Os seguidores de Bolsonaro e Feliciano seguem essa lógica e dão vazão aos recalques narcísicos atacando as diferenças de grupos que elegem como rivais. Daí a constante referência agressiva a homossexuais, negros e feministas. Em muitos casos, tal referência esconde algo ainda mais profundo: um desejo reprimido de ser o outro. Por isso, considero muito provável a hipótese de que ambos, Bolsonaro e Feliciano, usem a violência contra grupos LGBT como forma de reprimir seu próprio desejo homossexual.
No caso do atirador em Orlando, a polícia já descobriu que ele era frequentador da boate gay e tinha relações homossexuais frequentes. Tentou-se inventar uma motivação religiosa para o ataque, mas o fato é que ódio ao próprio desejo foi a mais provável justificativa para os atos de barbárie que ele cometeu.
Se você concorda com os comentários da foto, só me resta uma pergunta:
Qual é a sua justificativa, (e)leitor?
Felipe Pena é jornalista, psicólogo, professor da UFF e autor de 15 livros, entre eles “No jornalismo não há fibrose”, e “O verso do cartão de embarque”.
Acesse no site de origem: Homofobia: Bolsonaros e Felicianos puxam o gatilho, por Felipe Pena (Extra, 15/06/2016)