Machismo entranhado: as reações ao caso de estupro em Brasília, por Leandro Meirelles

05 de janeiro, 2016

(Correio Braziliense, 05/01/2016) De todos os pontos discutidos no caso da brasiliense estuprada durante uma festa de réveillon na cidade, o machismo é o que mais chama a minha atenção. O discurso do acusado, os comentários nas redes sociais, os pitacos dados aqui e ali. Saber que estamos tão distantes do verdadeiro respeito que devemos às mulheres – e pelo qual elas lutam há tanto tempo – indica como a sociedade precisa amadurecer.

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“Ela não se deu ao respeito” ou “Ela também não é santa” não me parecem explicações ou justificativas plausíveis para um estupro (para quem não percebeu, estou sendo irônico: nada é plausível para um ato abominável). Porque usar roupa curta e justa ou dançar de forma sensual não dá o direito a nenhuma mulher ou homem de atacar sexualmente ninguém. Um ser humano minimamente consciente e responsável consegue ver uma pessoa de biquíni ou sunga, sentir desejo, processar mentalmente a situação e tomar a sadia decisão de guardar tudo isso para ele mesmo. Caso contrário, claramente, há aí um desvio de comportamento que precisa ser tratado. “A carne é fraca” não pode servir de desculpa.

Segundo depoimento dado pelo suspeito ao Correio, ele chamou um colega depois do ato sexual. Por quê? Machismo. Não existe outro motivo. Para exibir o “troféu” ou mesmo a fim de dividir a “caça”. A fase da mulher-objeto deveria ter acabado há muito tempo. Mas há “machos” que ainda consideram a ideia atraente. No texto escrito pela vítima em uma rede social (parabéns pela coragem, mas agora o caso não é só seu, moça: é de toda uma sociedade que exige respeito pelas mulheres), ela chega a se questionar se não tinha “pedido por aquilo”. Ninguém pede por isso, mas as mulheres são forçadas a se sentirem assim desde que elas são meninas. Um massacre de sentimentos que sentem desde sempre, ao ouvirem aquele “fiu-fiu” contínuo, ao serem percebidas primeiro pela beleza para depois se tornarem reconhecidas pela competência.

John Lennon canta em Woman is the nigger of the world (A mulher é o negro escravo do mundo): “Nós a fazemos pintar o rosto e dançar / Se ela não for uma escrava, dizemos que elas não nos amam / Se ela é real, dizemos que ela está tentando ser um homem / Enquanto a colocamos pra baixo, fingimos que ela está por cima). O ex-beatle escreveu a música nos anos 1970, mas toda vez que ouço alguém justificando uma ação de violência abominável contra elas, chego à conclusão de que a canção é muito atual.

 

 

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