(BBC Brasil) Pelo menos sete universidades americanas estão sob investigação do Departamento de Educação dos EUA por supostamente ignorar casos de estupro em suas dependências.
Segundo denúncias de estudantes, as universidades não informam de maneira clara os procedimentos para reportar abusos sexuais e não investigam os casos adequadamente. As alunas afirmam que, em muitos casos, as vítimas são censuradas ou sofrem retaliações, enquanto os agressores não são punidos.
O episódio mais recente é o da University of Southern California (USC), em Los Angeles. Na semana passada, um grupo de alunas veio a público divulgar detalhes da denúncia encaminhada em maio ao Gabinete de Direitos Civis (OCR, na sigla em inglês) do Departamento de Educação.
O documento de 110 páginas relata mais de cem casos em que a universidade teria falhado em sua resposta a relatos de violência sexual no campus e serviu de base para a investigação oficial iniciada em junho.
Uma das estudantes, Tucker Reed, de 23 anos, disse à BBC Brasil que foi estuprada no campus pelo ex-namorado, em 2010, e denunciou o caso à universidade e à polícia em 2012. Ela afirma que chegou apresentar gravações em que o suposto agressor teria admitido o estupro, mas seu caso foi rejeitado.
“Esse processo se arrastou por vários meses”, diz. “Senti como se tivesse sido estuprada novamente.”
Uma das vítimas citadas na denúncia diz que ouviu da polícia responsável pela segurança no campus que mulheres não deveriam “sair, ficar bêbadas e esperar não ser estupradas”. Outra relata que foi obrigada a continuar na mesma turma do acusado de estuprá-la.
Direitos civisA investigação aberta pelo OCR busca determinar se os direitos civis das alunas foram violados e é baseada no chamado Title IX (Título IX), lei federal que proíbe discriminação sexual na educação. Em carta enviada a universidades em 2011, o Departamento de Educação afirma que “assédio sexual a estudantes, incluindo atos de violência sexual, é uma forma de discriminação sexual proibida pelo Title IX”.
A USC disse em comunicado que quer trabalhar com os agentes federais para esclarecer qualquer preocupação e está revisando suas políticas para garantir o cumprimento da lei.
O caso não é isolado. Também são alvo de investigações as universidades da Carolina do Norte (em Chapel Hill), do Colorado (Boulder), da Califórnia (Berkeley), Occidental College (Los Angeles), Darthmouth College (Hanover, em New Hampshire) e Swarthmore College (nos arredores da Filadélfia, na Pensilvânia).
Em alguns casos, a investigação tem como base outra lei, o Clery Act, que exige que instituições de ensino superior monitorem e divulguem estatísticas criminais nos campi, incluindo crimes sexuais.
Ao responder às investigações, todas as universidades afirmaram que levam o assunto “muito a sério”. Algumas, como Swarthmore e Occidental, já iniciaram revisões de suas políticas e treinamento de funcionários.
Redes sociais
Essa onda recente de investigações é fruto da articulação das próprias estudantes. Diante do que consideram desprezo e abandono por parte das universidades, elas romperam o isolamento geralmente sofrido por vítimas de estupro e iniciaram, com a ajuda da internet e das redes sociais, um movimento nacional contra violência sexual nas universidades.
Reed relatou sua experiência em um blog e criou o grupo Scar (palavra que significa cicatriz, mas também sigla em inglês para Coalizão de Estudantes Contra o Estupro). Seus relatos inspiraram alunas da Universidade do Colorado a fazer a denúncia ao governo.
As estudantes que denunciaram o Occidental College e o Swarthmore College afirmam ter recebido orientação das alunas que haviam feito a denúncia contra a Universidade da Carolina do Norte. Essas, por sua vez, dizem ter se inspirado no projeto “It Happens Here” (“Acontece Aqui”, em tradução livre), iniciado por alunas do Amherst College, em Massachusetts, chamando atenção para o problema.
As alunas do Amherst buscaram ajuda na experiência de Alexandra Brodsky, uma das 16 alunas que denunciaram a Universidade de Yale (no Estado de Connecticut) ao Departamento de Educação em 2011.
“Estamos trabalhando em uma campanha para pressionar o Departamento de Educação a fazer com que a lei seja cumprida”, disse Brodsky à BBC Brasil.
No mês passado ela coordenou um protesto em frente à sede do departamento, em Washington, como parte da campanha Ed Act Now (“Lei da Educação Agora”, em tradução livre), que já coletou mais de 160 mil assinaturas.
As estudantes também estão lançando o projeto “Know your Title IX” (“Conheça seu Título IX”), para educar as alunas sobre seus direitos.
Brodsky conta que quando relatou à universidade que havia sido vítima de estupro, em 2009, ouviu dos diretores que era melhor não comentar o caso com ninguém.
“Ficou claro naquele momento que eu não seria mais a estudante ideal para Yale, mas um potencial desastre de relações públicas, que precisava ser silenciado”, diz. “Me senti traída.”
A universidade, uma das mais prestigiosas dos EUA, já havia sido alvo de investigação anterior, de 2004 a 2011, na qual foi multada em US$ 165 mil (cerca de R$ 373 mil) por não relatar episódios de agressão sexual em suas estatísticas criminais. No caso da denúncia de Brodsky, o Departamento de Educação não multou a universidade, que se comprometeu em melhorar suas políticas sobre casos de agressão sexual.
“A investigação encorajou mudanças na política da universidade, mas não ajudou a melhorar a maneira como as sobreviventes de estupro são tratadas”, diz Brodsky.
“Eu já me formei. Mas continuo ouvindo relatos de estudantes que enfrentam os mesmos problemas.”
Acesse o PDF: Universidades dos EUA são investigadas por ignorar casos de estupro (BBC Brasil – 01/08/2013)