Crime completa 120 dias. “Podem estar usando esse silêncio para esconder que tem gente graúda envolvida”, diz Chico Alencar.
(HuffPost Brasil, 12/07/2018 – acesse no site de origem)
Dos 16 pedidos de informação feitos pela comissão da Câmara dos Deputados responsável por acompanhar as investigações da morte da vereadora Marielle Franco (PSol), apenas 4 foram respondidos. Após 120 dias do crime, parlamentares pressionam autoridades federais e do estado do Rio de Janeiro. O colegiado foi criado em 15 de março, um dia após o assassinato da parlamentar e do motorista Anderson Gomes.
Relator da comissão, o deputado Glauber Braga (PSol-RJ) fez um apelo pelo compartilhamento das informações e criticou a falta de transparência. “As informações que são públicas são aquelas que vêm através de vazamentos não necessariamente confirmados formalmente pela polícia civil. A gente precisa de respostas formais”, afirmou, em entrevista coletiva.
Braga ressaltou que, desde o primeiro encontro com as autoridades responsáveis pelas investigações, houve compromisso de que informações sigilosas não seriam publicizadas. Ele cobrou também reunião com o Ministério Público do Rio de Janeiro e com os delegados que atuam no caso.
“Podem estar usando esse silêncio pesado, desrespeitando a comissão e o Parlamento, para esconder a sua incompetência em apurar ou o fato de estarem sabendo que tem gente muito graúda da máquina do Estado envolvida nesse crime.”
Chico Alencar (PSol-RJ)
Presidente da comissão, o deputado Jean Wyllys (PSol-RJ) destacou o apoio de organizações internacionais como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional na cobrança de respostas.
“Especialistas e organismos internacionais foram todos unânimes em dizer que, quanto mais o tempo passa, mas as evidências se desfazem, então as chances de elucidação ficam menores”, afirmou. Ele chegou a dizer que, se forem constatadas irregularidades nas investigações, pode ser configurado crime de responsabilidade.
O deputado Chico Alencar (PSol-RJ) criticou a falta de transparência dos responsáveis pela intervenção federal militar no Rio.
“Podem estar usando esse silêncio pesado, desrespeitando a comissão e o Parlamento, para esconder a sua incompetência em apurar ou o fato de estarem sabendo que tem gente muito graúda da máquina do Estado envolvida nesse crime”, disse Alencar.
120 dias sem respostas sobre Marielle
Entre os pedidos não respondidos, 5 foram endereçados ao delegado Giniton Lages, chefe da Delegacia de Homicídios da cidade do Rio de Janeiro. Em 4 de abril, foram solicitadas informações sobre possíveis novas testemunhas. Desde então, foram enviados pedidos para esclarecer fatos vazados pela imprensa. Na lista, estão 3 reportagens do jornal O Globo e uma do portal G1.
As notícias tratam de testemunhas do caso, suposta nova perícia no carro em que o crime foi cometido, depoimento sobre envolvimento de vereador e miliciano e sobre a prisão de um suposto envolvido no assassinato de Marielle.
Também foi enviado um pedido de informação sobre suposto envolvimento de vereador e miliciano no caso ao delegado Rivaldo Barbosa, chefe da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, em 11 de maio. Ele tampouco respondeu a solicitação de dados e documentos relativos ao inquérito.
Ao general de Exército Walter Souza Braga Netto, interventor na Segurança Pública no Rio, foi enviada em 4 de maio uma solicitação de verba para reestruturação do Programa Estadual de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas e também um pedido de criação de um Programa Estadual de Defensores de Direitos Humanos no Rio.
A criação do programa também foi solicitada ao ministro de Direitos Humanos, Gustavo do Vale Rocha, e ao governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, que também não responderam.
Na lista de perguntas sem respostas está, ainda, a solicitação feita ao presidente da Câmara Municipal de Niterói (RJ), Paulo Roberto de Mattos Bagueira Leal, de medidas de proteção à vereadora Talíria Petrone (PSol) e sua equipe, com disponibilização de carro blindado e escolta.
Ela está com proteção policial desde 2 de abril até que sejam analisados os riscos à sua integridade física pelas autoridades competentes, de acordo com informações da Secretaria de Segurança do Rio à comissão.
Também está pendente uma solicitação de análise de risco de outras pessoas ameaçadas a partir do assassinato de Marielle, feita em 4 de abril, ao ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann.
Crime político
Mulher negra, nascida na Favela da Maré, lésbica e defensora dos direitos humanos, Marielle foi a 5ª vereadora mais votada do Rio em 2016. Ela denunciava abusos da Polícia Militar, atendia vítimas da milícia e dava apoio a policiais vitimados pela violência no Rio e às suas famílias.
“Uma mulher parlamentar foi executada. Isso, para nós, tem valor de crime político.”
Jandira Feghali (PCdoB-RJ)
Integrante da comissão sobre o caso na Câmara, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) destacou a importância da elucidação do crime para os defensores dessas bandeiras.
“Uma mulher parlamentar foi executada. Isso, para nós, tem valor de crime político. Muita gente no Rio está sendo assassinada, mas a conotação política desse crime mostra que é necessário que seja esclarecido, porque isso tem um alcance de risco muito grande”, disse Jandira.
A investigação está sob sigilo. As principais linhas de apuração apontam para a atuação de milícias ou, ainda, crime político. Um dos elementos que torna o caso ainda mais complexo é o fato de que Marielle não havia recebido nenhuma ameaça.
Uma das hipóteses dos investigadores é que os assassinos tenham usado uma submetralhadora HK MP-5, armamento de uso restrito e pouco utilizado, inclusive pelas polícias. As forças de segurança do Rio teriam 71 exemplares no total, mas em maio a imprensa revelou que 5 dessas armas foram desviadas do arsenal da Polícia Civil em 2011.
De acordo com O Globo, uma testemunha apontou que os mandantes da execução seriam o vereador Marcello Siciliano (PHS) e o ex-PM e miliciano Orlando Oliveira de Araújo. Ambos negam envolvimento com a morte de Marielle, e foram identificadas fragilidades no depoimento. A polícia descobriu que a testemunha poderia ter alguma ligação com a família Brazão, que disputa com Siciliano a influência política na zona oeste.
Marcella Fernandes