Se você acha que é fácil ser mulher, é porque não é uma
(Capricho, 29/08/2017 – acesse no site de origem)
No último domingo, 28, peguei um Uber e a última coisa que o motorista fez foi pedir o meu telefone. No hora, fiquei meio sem reação e achei que não era o fim do mundo. Quando entrei em casa e parei para pensar sobre o que tinha acabado de acontecer, percebi que já tinha dado meu número para pessoas que não me interessavam simplesmente porque me sentia acuada e achava que era melhor passar logo e acabar com aquilo depressa. Mas isso é tão errado! São pequenas situações como essa, em que nos sentimos acuadas e não fazemos nada para mudar a realidade, que evoluem para abusos mais graves. Se você não quer passar o seu ~zap~, você não precisa e pode deixar isso claro. Pensar o contrário, principalmente se for por medo, só reforça o histórico machista da sociedade em que vivemos.
Ao acordar, me deparei com a triste notícia de que a escritora Clara Averbuck havia sido estuprada por um motorista, durante uma corrida agendada por aplicativo. Fiquei nervosa ao perceber que em tão pouco tempo duas mulheres haviam sofrido abusos. Duas de tantas… Um foi mais leve, mas invasivo de qualquer maneira. Não é só porque o cara te acha atraente e descobre que você está solteira que ele tem o direito de chegar em você e não aceitar um não como resposta. O outro foi agressivo, cruel, físico, o pior tipo de invasão que uma mulher pode sofrer.
De acordo com uma matéria realizada pela Folha,o número de estupros coletivos mais que dobrou nos últimos cinco anos. Para se ter uma ideia, são cerca de dez casos de estupros coletivos diários. Acre, Tocantins e Distrito Federal lideram a lista de forma assustadora. O aumento dos casos foi de 125%!
Mais assustador ainda é saber que apenas 10% dos estupros são denunciados. Em 2016, foram mais de 20 mil casos notificados, de acordo com pesquisa Ipea. O que nos faz pensar que, sim, esse número é apenas uma estimativa e não mostra a realidade daquelas cidadezinhas pequenas, no interior de estados em que a cultura machista ainda predomina e mulheres são violentadas como se fosse algo normal. Estima-se que quase 500 mil estupros aconteça e não cheguem ao conhecimento das autoridades. “Não fui fazer corpo de delito. Não fui mesmo. Quem vive na fantasia de que ‘é só ir à Delegacia da Mulher’, certamente jamais esteve em uma. Eu estive. Dezenas de vezes. Felizmente, nunca por violência cometida contra mim. Infelizmente, acompanhando mulheres absolutamente fragilizadas que precisavam de apoio e lá apenas encontraram despreparo e desencorajamento para a denúncia. Eu não estava e não estou em condições de passar por isso”, relatou Clara Averbuck em texto escrito especialmente para a CLAUDIA, após o estupro sofrido no último final de semana.
É fácil dizer que uma mulher precisa denunciar o crime sofrido. Na teoria, é bem fácil. Na prática, as coisas são bastante diferentes. Nosso sistema é falho, principalmente com relação às leis que protegem as mulheres – ou que deveriam proteger. “Como sempre, vai ter gente duvidando da vítima(…) Não se estupra apenas com o pênis(…) Parem e pensem um pouco no sistema e em como ele funciona”, esclarece Clara nas redes sociais. É verdade que muito mudou desde a criação da Lei Maria da Penha, em agosto de 2006. Contudo, quantas mulheres já procuraram suporte na Justiça e foram questionadas, julgadas e até mesmo zombadas pelas autoridades?
Que o caso de Clara Averbuck faça a gente repensar mais uma vez. E de novo. Repensar em como apoiamos umas às outras, em como não temos a obrigação de passar nosso número para um cara só para tentar terminar a conversar ou despistá-lo, em como estamos suscetíveis não só às tantas variáveis do dia a dia (como assaltos e acidentes de trânsito), mas também a abusos, agressões e violência. “Que meu caso sirva para que outras mulheres não tenham medo de expor o acontecido. Que não se culpem. Que, se não se sentirem seguras para fazer uma denúncia formal, sejam respeitadas(…) Estou mais forte, vou ficar mais. Ninguém me derruba”, afirmou a escritora.
Vale dizer que a empresa Uber baniu o profissional que estuprou Clara. O mínimo do mínimo que esperávamos. Mas será que isso basta? A resposta é não. O cara foi banido do Uber, mas continua por aí. E se ele fez uma vez, pode fazer de novo. Se você acha que é fácil ser mulher, é porque não é uma.
Isabella Otto