(Brasileiros, 07/08/2016) Especialistas elogiam a legislação, mas observam que a violência vai prosseguir se o Estado não ampliar sua rede de delegacias e serviços para dar apoio às mulheres
A Lei Maria da Penha (lei 11.340) foi sancionada pelo então presidente Lula há exatos 10 anos, em 7 de agosto de 2006, com o objetivo de coibir a violência doméstica e familiar no país. Os dados do Mapa da Violência apontam que a legislação teve um impacto positivo sobre os crimes: enquanto o índice de crescimento do número de homicídios de mulheres no Brasil foi de 7,6% ao ano entre 1980 e 2006, quando a lei entrou em vigor, o crescimento caiu para 2,6% ao ano entre 2006 e 2013.
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A lei recebeu esse nome em homenagem à farmacêutica cearense Maria da Penha, que ficou paraplégica após levar um tiro do marido, pai de suas três filhas, em sua segunda tentativa de homicídio contra ela, em 1983. A história de Maria da Penha ganhou repercussão internacional quando ela acionou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) em busca de uma solução, após aguardar a Justiça brasileira por 15 anos.
Após a promulgação da lei, o combate à violência de gênero se intensificou. O grande problema é que, apesar da existência da lei, muitos agressores não são denunciados. O Mapa da Violência de 2015 revelou que, de 2003 a 2013, o número de vítimas de homicídio do sexo feminino subiu de 3.937 para 4.762. Em 2013 ocorreram 13 homicídios femininos diários. Toda essa violência é alimentada pelas dificuldades do Estado em fornecer apoio material às mulheres agredidas.
Diretora do Instituto Patrícia Galvão, que defende os direitos das mulheres, a psicóloga Marisa Sanematsu diz que a lei é bem formulada e completa, uma vez que define claramente as formas de violência doméstica como moral, sexual ou patrimonial: “Muita gente nem sabia que violência psicológica era um crime enquadrado, passou a saber com a divulgação da lei. Antes, a sociedade só considerava a violência contra a mulher aquela violência física. E não bastava ser simples, tinha que deixar a mulher com muitas marcas para as pessoas aceitarem que, dessa vez, o marido exagerou”.
A socióloga Carmen Silva, da SOS Corpo e da Articulação de Mulheres Brasileiras, considera que a divulgação da Lei Maria da Penha foi muito eficiente nos últimos anos, mas precisa se transformar em mais serviços, especialmente para as mulheres de baixa renda: “Todo mundo conhece a lei. Mas isso tem favorecido especialmente as mulheres mais esclarecidas, dos setores médios e que têm mais recursos financeiros, a maioria branca, que têm mais possibilidade de sair do ciclo de violência. A violência contra as mulheres brancas diminuiu, mas contra as negras, que estão na base da pirâmide e têm menos acesso à informação, a trabalho e aos serviços públicos, não.”
Na última semana, a ONU Mulheres, entidade das Nações Unidas para a igualdade de gênero, o Instituto Maria da Penha e o Consórcio de Organizações Não Governamentais Feministas pela Lei Maria da Penha divulgaram nota pública em defesa da lei e da institucionalização das políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres. No documento, a ONU diz que o aniversário da Lei Maria da Penha traz à tona “o desafio urgente de implementar de maneira mais efetiva as políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres com perspectiva de gênero”, sobretudo por meio da ampliação dos serviços especializados para atendimento com perspectiva de gênero.
A delegada Ana Cristina Melo, que atua à frente da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher do Distrito Federal, defende a ampliação dos espaços especializados para o acolhimento das vítimas da violência. Segundo Ana Cristina, quem trabalha na área percebe o caráter cultural da violência de gênero. “Quando você tem um caráter cultural, ele perpassa toda a sociedade, sejam homens ou mulheres. Os agentes públicos, como integrantes dessa sociedade, têm também muitos preconceitos, valores e esteriótipos que demandam capacitação, trabalho e tempo para serem desconstruídos. É preciso sim um espaço especializado para o acolhimento das mulheres”.
Atualmente existem no Brasil apenas 502 delegacias especializadas para atender 5.570 municípios. Ou seja, mais de 90% dos municípios não possuem nem sequer uma delegacia. Existem ainda45 defensorias da mulher, 95 promotorias especializadas, 238 centros de atendimento à mulher, 80 casas-abrigo e 596 serviços especializados de saúde, números inexpressivos para o tamanho da violência que se vive no país. São 1.651 serviços especializados de atendimento à mulher disponíveis para atender a todas as brasileiras, mais de 70% deles concentrados no Sudeste, Centro-Oeste e Sul.
Enquanto o Distrito Federal tem 18 núcleos da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher, uma casa-abrigo, 19 varas especializadas, um núcleo de Defensoria Pública Especializada, 39 promotorias, 51 serviços especializados de saúde e uma Casa da Mulher Brasileira, em Alagoas só existem quatro delegacias especializadas, uma casa abrigo, uma vara especializada, um núcleo da Defensoria Pública, uma promotoria e dois serviços de saúde para atender mulheres do Estado.
Segundo a delegada Ana Cristina Melo, sem uma atuação em rede dos órgãos públicos não dá para combater a violência. “Porque colocar na mão só da polícia e dar esse caráter só repressivo não é o caminho. A repressão é muito importante para a responsabilizar o agressor, é extremamente importante, mas a violência doméstica tem muita coisa que a circunda”. Ela explicou que muitas mulheres dependem de outros serviços do Estado para sair do ciclo de violência. “Muitas têm demandas jurídicas, questões das quais dependem para que a situação seja resolvida. Aqui em Brasília é muito comum. Um casal tem um lote, é a única coisa que aquela mulher tem. Eles não estão vivendo mais juntos, mas estão dentro da casa. Aí começam os atritos, mas ela não tem acesso aos serviços jurídicos para resolver o problema e continua lá, o que pode acabar em morte”.
A violência doméstica é uma realidade mundial. Números recentes da Organização Mundial da Saúde com a London School de Higiene e Medicina Tropical e pelo Conselho de Pesquisa Médica, com base em dados de mais de 80 países, estimam que uma em cada três mulheres (35%) no mundo já foi vítima de violência física ou sexual pelo menos uma vez, e que em 30% dos casos, os agressores eram os próprios parceiros.
Da Redação com Agência Brasil
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