(Luciana Araújo/Portal Compromisso e Atitude) A coordenadora nacional do Projeto Promotoras Legais Populares, Maria Amélia de Almeida Teles, mais conhecida como Amelinha Teles, é militante feminista histórica e expoente da luta contra a ditadura militar no Brasil. Nesta entrevista, concedida com exclusividade ao Portal Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha, Amelinha destaca que a sociedade brasileira ainda responsabiliza a mulher pela violência sofrida e que há poucas campanhas educativas para mudar essa realidade, da mesma forma que os serviços de apoio às vítimas ainda são insuficientes. Por outro lado, Amelinha considera positivos os resultados da pesquisa “Percepções sobre a violência e assassinatos de mulheres”, por evidenciar o que ela considera “um novo indicador para as políticas públicas”, que é a consciência social sobre a violência doméstica contra a mulher.
A pesquisa foi realizada pelo Data Popular em parceria com o Instituto Patrícia Galvão e ouviu 1.501 pessoas entre os dias 10 e 18 de maio deste ano. Os resultados do levantamento podem ser conhecidos aqui.
A pesquisa revela que vergonha e medo de ser assassinada são percebidos como as principais razões para a mulher não se separar do agressor. A que você atribui essa visão da população em relação aos dilemas e contradições vividos pelas mulheres que sofrem violência? Como o Estado e sua rede de serviços podem responder para derrubar essas barreiras?
Amelinha Teles – Vejo que a violência contra as mulheres continua a ser considerada como uma responsabilidade delas mesmas. A sociedade impõe essa culpa de forma muito intensa às vítimas. E ainda existem poucas campanhas de fato educativas que mostrem o significado da violência e que as mulheres não são culpadas, mas sim que existe uma sociedade desigual, que autoriza os homens a baterem nas mulheres. Precisamos mudar a lógica da sociedade fazendo campanhas que mostrem isso, que eduquem nesse sentido.
E, tanto em relação à vergonha como sobre o medo, os serviços que atendem às mulheres em situação de violência têm que ser mais eficientes e dar um acolhimento de tal forma que elas se sintam fortalecidas e encorajadas a romper com esse círculo. Temos serviços públicos muito fragilizados, fragmentados, precarizados e que não são capazes de dar esse atendimento com a qualidade que assegure à mulher sair com um plano de medidas e ações que a ajudem a caminhar no sentido de recuperar sua cidadania, se empoderar e não viver mais uma situação de violência. Temos reclamado há muito tempo da falta de políticas públicas coesas, articuladas e integrais que possam dar conta dessa situação que afeta vários direitos das mulheres – ao trabalho, de ir e vir, e até à felicidade.
Nossas políticas não têm dado conta da gravidade de uma situação que afeta a cidadania como um todo. Não só daquelas mulheres que estão sendo vítimas diretas, mas também das demais, que também ficam intimidadas e temerosas de que isso possa acontecer com elas.
Você citou o senso comum de que as mulheres sofrem violência por culpa delas mesmas, mas há um dado na pesquisa que aponta que apenas 17% concordam com a ideia que “mulher que apanha é porque provoca”. Na sua opinião esse dado pode indicar que há uma mudança de mentalidade em curso no Brasil no sentido de não se tolerar mais a violência doméstica?
Amelinha Teles – Acho que existe uma possibilidade de mudar essa mentalidade, mas ela ainda está muito introjetada, inclusive na própria mulher vítima de violência. Então, não é tão simples. É interessante que a maioria não tem coragem de expressar essa ideia de que a mulher é culpada, mas eu acho que é isso que está acontecendo. Temos uma sociedade que já desenvolve uma crítica em relação ao machismo e que vê a necessidade de as mulheres participarem mais, mas ainda carrega no seu íntimo um preconceito contra as mulheres.
Hoje há muita visibilidade sobre essa situação de violência doméstica, sexual, que é denunciada por manifestações nas ruas em todo o mundo. E as pessoas reconhecem que é um problema grave porque convivem com ele, é muito frequente, ainda que seja na casa do vizinho, no trabalho, na escola, na rua. Então, acho que a pesquisa indica índices extremamente reais. O pessoal tem tomado consciência de que a violência contra as mulheres afeta sua vida. Ainda que as interpretações sobre o fato sejam contraditórias, a violência contra a mulher está muito visível na sociedade.
A pesquisa revela que 7 em cada 10 brasileiros acreditam que a mulher sofre mais violência dentro de casa do que em espaços públicos, e que metade da população considera que as mulheres se sentem mais inseguras dentro de casa. Como você avalia essa percepção da população sobre a violência doméstica contra a mulher?
Amelinha Teles – É um percentual muito alto e acho que é um avanço a população perceber. Quer dizer, não é só perceber, porque esse assunto é muito antigo só que ninguém comenta. É um assunto interdito, proibido. E agora, nos últimos anos, com tantas campanhas e movimentos, as pessoas têm coragem de dizer que reconhecem essa violência dentro de casa e que ela é muito mais grave para as mulheres. É um avanço mesmo da mentalidade e da compreensão do fenômeno. E isso graças ao movimento de mulheres e suas ações políticas, que também provocam a mídia a mostrar a toda hora essa questão, especialmente depois que foi promulgada a Lei Maria da Penha. A violência doméstica e familiar tem tido muita visibilidade. E quando a mídia anuncia, denuncia ou coloca fatos de violência, mostra à sociedade que, o que antes era um assunto proibido agora a sociedade pode falar em público. As respostas são um novo indicador para as políticas públicas: a população tem consciência de que esse fenômeno existe dentro das casas. Algo que a gente tem falado há muito tempo, que esse doce lar é muito perigoso para as mulheres.
Para 91% dos entrevistados, hoje os assassinatos de mulheres estão mais cruéis e violentos. Como você avalia essa percepção?
Amelinha Teles – Independentemente das pesquisas, preocupam muito os assassinatos de mulheres depois que a Lei foi promulgada. Especialmente das mulheres que chegaram a denunciar junto aos serviços, às delegacias, que estavam sendo ameaçadas de morte e acabaram mortas. Porque não era para nenhuma mulher mais ser assassinada depois de buscar ajuda no serviço público. Agora, se os assassinatos de mulheres estão sendo mais perversos e cruéis, não sei. Talvez estejam tendo, como falei antes, mais visibilidade, porque eles são e foram sempre cruéis. Mas como têm aparecido muito mais na mídia e em detalhes, porque os assassinatos de mulheres geralmente são crimes premeditados, planejados, se evidencia a crueldade. Outro fator que desperta essa atenção é que a violência em geral cresceu muito, então a violência contra as mulheres não está desvinculada dessa realidade extremamente violenta que estamos vivendo.