A modelo e empresária conta à CLAUDIA o que precisou fazer para criar coragem e denunciar o homem que amava
(Cláudia, 03/09/2016 – acesse no site de origem)
Luiza Brunet é uma mulher sem medo. Melhorando a frase: Luiza Brunet é alguém que administra muito bem o medo e não deixa que ele fale mais alto ou a paralise. Sem preocupação com o julgamento dos outros, se arrisca. Entrevistei a modelo e empresária em diferentes momentos da carreira dela. Em todas as conversas, estabeleceu uma aliança e colocou-se à disposição da repórter. Boas declarações nunca são arrancadas. Se, olhando no olho, o entrevistado confia, ele doa uma parte de si, abre a sua verdade. Luiza me contou que havia feito um aborto aos 17 anos, quando começava a carreia de modelo. Estava casada com o engenheiro Gumercindo Brunet, que lhe deu o sobrenome nobre, teve a compreensão dele e seguiu para a clínica sozinha. Essa conversa foi no final dos anos 1990. Assumir em público um aborto naquele tempo, não era nada comum. Abortar é crime. Alguém que vive da imagem e a associa à marcas glamourosas pode se dar mal, perder contratos. Notei, então, que se tratava de alguém de coragem: “É importante falar, porque a hipocrisia acaba empurrando as mulheres para a morte em intervenções sujas e inseguras”, afirmou.
A modelo me relatou, noutra ocasião, que comia tatu – gostava daquela carne meio crua, meio viva –, nadava em riacho no Mato Grosso do Sul, onde nasceu pobre, filha de um alcoólatra e de uma dona de casa assustada. Em Luiza Brunet Made in Brazil, escrito com Laura Malin, lembrou o desafio que lhe fiz para sair, sem retoques, na capa de CLAUDIA, em agosto de 2010. “Aos 48 anos, era uma proposta ousada, que significava o meu momento sem Photoshop”, disse no livro. Apareceu linda, sem esconder o vitiligo ligeiramente à mostra em sua mão e as linhas do tempo perto dos olhos. Havia acabado de se levantar de um golpe (um calote de milhões de reais) e o segundo casamento (de mais de 20 anos) terminara.
Como embaixadora do Instituto Avon, começava o convívio com mulheres vítimas de câncer de mama e de violência doméstica. Nos últimos quatro anos nessa atividade, eu a vi em um ou dois eventos (o primeiro em Brasília, com certeza), divulgando a Lei Maria da Penha. Alertava as mulheres para a existência de violências que elas não percebem direito (psicológica, verbal, patrimonial), mas são terríveis, vão minando aos poucos a auto-estima.
Em 21 de maio deste ano, Luiza tornou-se vítima do crime que ela combate. O que teria sido uma viagem gostosa a Nova York resultou em um olho roxo, a face inchada, as pernas chutadas e quatro costelas cruelmente quebradas pelo parceiro Lírio Parisotto, um dos empresários mais ricos do país. Foi disso que ela tratou no nosso mais recente encontro, em São Paulo. Fumou muito enquanto dava detalhes, mas não se esquivou de nenhuma pergunta.
A entrevista, publicada na edição de setembro, já está nas bancas. Com uma provocação na capa: o que a história de uma branca, rica e famosa tem a ver com a de milhares de vítimas de violência doméstica no Brasil. Tudo a ver. Dinheiro e visibilidade não poupam ninguém. Embora pretas e pardas pobres sejam mais facilmente atingidas. O assassinato de negras subiu 54% entre 2003 e 2013. “Os homens precisam parar de matar 13 mulheres todos os dias”, afirmou Luiza. O macho brasileiro extermina 48 vezes mais que o do Reino Unido e põe o país no quinto lugar em assassinatos bárbaros.
Uma das primeiras perguntas revelou meu espanto: “Mas como, Luiza, conhecendo a lei, você não se protegeu?” Outra: “Por que deixou chegar àquele ponto?” Não foi só em 21 de maio que a truculência a vitimou. Em dezembro de 2015, um ataque dele deixou quebrado o dedo anelar da mão esquerda dela. Não houve denúncia, na época, porque Luiza aceitou o pedido de desculpas, como faz a maioria. “A mulher acha que o homem vai mudar e aceita o pedido”.
Perguntei o que mais a chocou na vida: Passar fome? Ter sido doméstica ainda criança? Abusada sexualmente aos 14 anos? A briga feia que travou com Humberto Saad, o empresário que a lançou na moda? Sofrer violência física? Ela respondeu: “Apanhar como apanhei, aos 54 anos, foi o pior… Agora, quando queria paz e sossego, me ocorreu o mais triste. E veio de um homem que eu amava”.
Luiza recordou a irritação ao ler, nas redes sociais, comentários de que ela protagonizava o escândalo para conseguir dinheiro fácil dele. E reviveu momentos depois da agressão: se trancou num quarto, não dormiu a madrugada toda, só saiu de lá ao perceber o apartamento quieto, vazio. Pegou as malas e antecipou sua volta para o Brasil. Confessou que teve medo, sim. Do parceiro se tornar mais violento, de aparecer com a auto-estima ferida, da solidão, de tudo. Mas, com o treino que tem, com a teimosia que a trouxe até aqui, não abriu a guarda, nem mesmo quando tentaram demovê-la. Foi duas vezes ao Instituo Médico Legal, ao Ministério Público, entregou um vídeo, outras provas, fez a denúncia. Está até hoje sob medida protetiva decretada por uma juíza. O parceiro, proibido de se aproximar dela, é réu em um processo que corre em segredo de justiça e nega o crime. Atribui a Luíza um caráter destemperado.
Quando perguntei o que diria às mulheres que sofrem o que ela já superou, Luiza se emocionou muito. Respirou, interrompeu uma lágrima que caía e falou como se a vítima estivesse na sua frente: “Olha, eu ainda estou superando. Você também pode”. Passou a dizer o que uma mulher precisa fazer para não se acovardar. É uma mensagem forte, que cutuca, instiga. Mas é também um alento, um conforto para quem está sob ameaça em casa. Isso me fez engolir a tristeza.