Mulheres Munduruku reafirmam protagonismo na luta contra violações dos direitos indígenas

29 de novembro, 2017

No último final de semana, de 23 a 25, 70 mulheres Munduruku e de outros povos do baixo Tapajós reuniram-se para partilhar saberes e conhecimentos tradicionais. O segundo encontro trouxe alternativas para a revitalização da cultura, valorização e resgate dos saberes das parteiras e receitas de xaropes, garrafadas e pílulas produzidas com material extraído da floresta.

(Instituto Humanitas Unisinos, 29/11/2017 – acesse no site de origem)

As ameaças ao território Sawre Muybu pela constante invasão de garimpeiros, madeireiros e palmiteiros foi preocupação compartilhada na atividade. Ainda, debateu-se sobre as constantes investidas do governo na construção de projetos, como ferrovias, hidrovias e hidrelétricas, que desrespeitam os lugares sagrados. A perturbação do mundo espiritual Munduruku causada pelos pariwat (não indígena) obrigou as mulheres Munduruku agiram em duas tentativas de recuperar as urnas sagradas, retiradas durante a construção da usina hidrelétrica de Teles Pires. As ações ocorreram juntamente com os pajés do povo.

Durante o encontro, guerreiros denunciaram o envenenamento do rio Jamanxim, afluente do rio Tapajós. Relatos comentam encontrar peixes de várias espécies boiando no rio. São reflexos da grande quantidade de garimpos ilegais que utilizam mercúrio e cianeto na extração do ouro de forma indiscriminada. “Os garimpos estão nos preocupando, porque nosso rio é nosso mercado, é de onde tiramos nosso alimento. Então estão destruindo nosso rio e a nossa vida”, pontuou Alessandra Korap, presidenta da associação Pariri.

As mulheres são protagonistas da luta contra violações dos direitos indígenas, acentuados nos últimos anos. Em setembro, um grupo de guerreiras Mundurukuocupou a Fundação nacional do Índio (Funai) de Itaituba (PA) contra indicações políticas para cargos da Funai.

Participaram do encontro mulheres Borari, Arapium, Juruna, Tupaiú e Maytapu do baixo Tapajós, além das Munduruku.

Leia a carta do encontro:

“Que a audácia esteja na vida de vocês para perder o medo de aprender as coisas!”

Nosso segundo encontro de Mulheres indígenas aconteceu na aldeia Sawre Muybu, no médio Tapajós, nos dias 23 a 25 de novembro. Com a participação das mulheres Munduruku do médio e alto Tapajós e das mulheres Borari, Arapium, Juruna, Tupaiú e Maytapu do baixo Tapajós, o encontro proporcionou intercâmbio de saberes e conhecimentos tradicionais sobre plantas, raízes e óleos para a produção de xaropes, pílulas e garrafadas, além de discussões importantes sobre fortalecimento e revitalização da cultura Munduruku, ameaças ao território, saúde da mulher indígena e educação.

Não estamos aqui por acaso, estamos aqui para trocar ideias, para levar novas ideias para nossas aldeias. Nós sabíamos das nossas raízes, mas não sabíamos das pílulas que a parente Borari da Terra Indígena Maró nos ensinou. Nós não temos os mesmos conhecimentos, mas temos outros e podemos compartilhar. Vamos levar esses conhecimentos para nossas aldeias e não deixar morrer por aqui.

O encontro de mulheres é importante por abrir várias portas para nossos conhecimentos tradicionais, sobre educação, saúde e direitos do território. Nós não vamos deixar nossa cultura de lado, e não é porque vamos embora daqui que não vamos colocar mais em prática esses conhecimentos, nós temos que fazer também para passar para os nossos filhos, passar de geração em geração. Descobrimos no encontro que existem cinco parteiras no médio Tapajós, elas tinham vergonha de falar e por isso não passavam seus conhecimentos para as jovens que também não perguntavam, mas agora elas começaram a falar sobre o que elas sabem e vão começar a repassar seus saberes.

Os pariwat estão destruindo nossos rios, nossas florestas, e nós nos preocupamos com nossos filhos, então temos que lutar junto com nossos guerreiros porque também temos nossas guerreiras. O mais importante nesse momento é defender o território, e precisamos ajudar os homens nisso, porque senão os pariwat vão destruir tudo com garimpo, hidrelétrica e ferrovia. No encontro nós recebemos denúncias das nossas mulheres sobre ameaças de garimpeiros indo nas aldeias e intimidando nosso povo Munduruku, mostrando que os peixes estão morrendo no nosso rio Idixidi e no rio Jamanxim. Isso vem acontecendo há muito tempo no nosso rio, que está contaminado pelo mercúrio. Nós fomos lá verificar e percebemos que o rio está sujo com óleo, está branco e não é mais verde. Não é mais seguro para nós bebermos.

Tudo que falaram no encontro em defesa da terra é que a terra dá tudo para nós, ela foi feita pelo criador, porque é dela que a gente traz a semente e foi ela que trouxe as árvores pra gente. Sabemos que a floresta é muito rica e precisam do nosso conhecimento. Os jovens não acreditam mais nos remédios tradicionais. Aprendemos esse saber com nossos pais, eles não tomavam remédio de farmácia, só nossos remédios tradicionais. Nosso remédio se não tomar com fé, não se cura. Foi Karosakaybu que tratou da terra para a gente se tratar dela. Por isso temos que ter fé nos nossos remédios tradicionais e defender nossa terra.

Estamos aqui para aprender, porque não nascemos sabendo, mas com o tempo vamos desenvolvendo a maturidade, aprendendo umas com as outras. Estamos aqui pra ensinar as bibi que estão crescendo pra apender, porque esse é o conhecimento que vai ser passado pra elas.

Que a audácia esteja na vida de vocês para perder o medo de aprender as coisas!

Sawe!!!

A reportagem é de Bárbara Dias, publicada por CIMI, 27-11-2017.

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