Promotor recorre de decisão da Justiça que absolveu pai que agrediu filha por perder virgindade

20 de setembro, 2017

MP diz que ato está ‘impregnado’ de machismo e cita Lei da Palmada, que garante direito a adolescente ser educado sem castigo físico; pai bateu em menina de 13 anos com fios de TV e cortou os cabelos dela.

(G1, 20/09/2017 – acesse no site de origem)

O promotor João Paulo Robortella, do juizado especial de violência doméstica e familiar contra a mulher em Guarulhos, na Grande São Paulo, apresentou recurso ao Tribunal de Justiça pedindo a condenação de um pai que agrediu a filha de 13 anos com fios de TV e cortou os cabelos dela após descobrir que a jovem tinha perdido a virgindidade.

Em primeira instância, o juiz absolveu o pai, alegando não ter visto crime no ato e que o pai agiu em “exercício regular do direito” de pátrio poder do pai. “A conduta não pode ser considerada criminosa, mas apenas mero exercício do direito de correção”, afirmou o magistrado que absolveu o pai.

No recurso, apresentado nesta quarta-feira (20), o promotor alega que, tanto a conduta do pai quanto a sentença do juiz Leandro Jorge Bittencourt Cano, que absolveu o pai, estão “impregnadas” de “machismo”, afirmando que o pai “não só ultrapassou os limites da correção na qualidade de genitor, mas também se valeu da superioridade física e da vulnerabilidade da filha do sexo feminino naquele contexto familiar, tratando-a como mero objeto”.

“É inquestionável que sua conduta (do pai) se mostrou absurdamente excessiva e desproporcional no caso concreto, consideradas a natureza e gravidade das oito lesões, provocadas, inclusive, com o uso de um fio de televisão, seguida do corte de cabelos com uma tesoura em face da adolescente”, disse Robortella no recurso.

Na apelação à sentença, o promotor pede a condenação do pai por lesão corporal dolosa (com intenção de provocar a lesão) afirmando que, pelos seus cálculos, ele seria condenado a uma pena privativa de liberdade não superior a 4 anos em regime aberto, cabendo, assim, a aplicação do artigo 77 do Código Penal, que prevê a suspensão da pena. No período de suspensão, em caso de réus com bons antecedentes, a prisão não é cumprida e o condenado não pode cometer novo crime.

De acordo com a denúncia protocolada pelo MP, a jovem tinha 13 anos quando foi agredida pelo pai, em janeiro de 2016, após ter descoberto que ela perdera a virgindade com um rapaz com quem estava em um relacionamento sério. Um laudo aponta que foram produzidas lesões corporais medindo até 22 cm por meio de golpes de fio de televisão. O homem ainda cortou o cabelo da jovem.

Em seu interrogatório, o réu disse também que cortou os cabelos da vítima para “protegê-la”, a fim de que não saísse de casa, porque ela estaria recebendo “ameaças” de colegas na escola, porém sequer soube explicar no que consistiam estas supostas “ameaças”.

Lei da Palmada

No recurso ao Tribunal, o promotor citou a Lei 13.010/2014 (conhecida popularmente como a “Lei da Palmada”), que afirma que a criança e o adolescente “têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação”.

“A Lei veda o emprego de qualquer forma de força física que gere sofrimento como forma de disciplina da criança e do adolescente, mesmo porque existem diferentes e adequados meios de correção e disciplina dos filhos que não envolvam a violência”, disse o promotor. “Assim, basta um mero exercício de lógica para se concluir que não há que se falar em exercício regular de direito pelo pai que empregou violência contra o filho, quando esta é expressamente vedada pelo próprio ordenamento jurídico”.

Para o Robortella, a decisão judicial que absolveu o pai “está em desacordo com aquilo que a sociedade deseja e espera de um tratamento adequado para as crianças e adolescentes por parte de seus responsáveis”.é inquestionável que sua conduta se mostrou absurdamente excessiva e desproporcional no caso concreto, consideradas a natureza e gravidade das oito lesões, provocadas, inclusive, com o uso de um fio de televisão, seguida do corte de cabelos com uma tesoura em face da adolescente.

Decisão judicial

O juiz que inocentou o pai por agredir a própria filha entendeu, porém, que não houve violência de gênero, pois “o réu afirmou categoricamente que, caso tivesse um filho homem e o mesmo tivesse perdido a virgindade aos 13 anos, tomaria a mesma postura”.

Além disso, “a conduta não pode ser considerada criminosa, mas apenas mero exercício do direito de correção”, continuou o juiz, que considerou ainda que “não existem provas suficientes no sentido de que o réu tenha utilizado dos meios disciplinadores de modo excessivo”.

“Quanto ao corte de cabelo, ao que tudo indica, a intenção do réu não era de humilhar a filha, mas apenas de protegê-la de ameaças”, pois “não obstante não fosse o mais adequado, a intenção do réu era que a filha não saísse de casa”, concluiu o juiz Leandro Cano, que absolveu o pai.

O Ministério Público imediatamente manifestou a intenção de recorrer da decisão e, em nota ao G1 nesta terça, confirmou em nota que “a Promotoria de Justiça Criminal de Guarulhos, discordando da decisão, interpôs recurso de apelação e aguarda a total reforma da decisão pelo Tribunal de Justiça”.

Tahiane Stochero

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