Russas e ucranianas vítimas de estupro quebram silêncio em redes sociais

02 de agosto, 2016

(IstoÉ, 02/08/2016) Cansada de ver na internet discussões culpando as mulheres estupradas, a ativista ucraniana Anastasia Melnychenko iniciou nas redes sociais uma campanha contra o silêncio sobre a violência sexual na Ucrânia e em outras ex-repúblicas soviéticas.

Ao contar a agressão que sofreu com a hashtag #Nãotenhomedodefalar em ucraniano e em russo, esta militante dos direitos das mulheres conseguiu inspirar centenas de vítimas a publicarem suas experiências nas redes sociais.

Para muitas mulheres russas, ucranianas, armênias e azeris, esta etiqueta permitiu falar pela primeira vez sobre o trauma da agressão, agravado pelo silêncio sobre a violência sexual que impera nos seus países.

“Eu era uma colegial quando aconteceu. Um jovem me seguiu até a minha casa, me puxou pela jaqueta e pôs as mãos por baixo da minha saia”, publicou Azia Bazdyrieva, crítica de arte.

“Eu tinha 19 anos, ele era amigo do meu namorado. Tinha dois metros de altura, era muito grande e forte. A rua estava completamente vazia e eu tive medo de resistir. Ele me estuprou”, escreveu Valeria Bezlepkina, mãe de quatro crianças.

“Eu tinha 12 anos, estava em Baku. Meu primo colocou as mãos nos meu quadris e eu logo percebi o que ia acontecer”, disse Narmina Ajmedli, estudante do Azerbaijão.

“Hoje, pela primeira vez na minha vida, me atrevo a contar isso em voz alta. Não tenho medo de falar”, refletiu Ajmedli.

Esta campanha permitiu abrir uma brecha na cultura do silêncio imposta às vítimas de estupro e dar a elas, finalmente, visibilidade, disse Anastasia Melnychenko.

“Na nossa sociedade, acusar a vítima é a norma”, explicou à AFP. “É por isso que as mulheres ficam em silêncio sobre os abusos. Elas não falam sobre esses incidentes com seus parentes nem com a polícia porque têm medo de ser julgadas”.

Na Rússia, por exemplo, a câmara civil, que agrupa representantes da sociedade civil, pediu às mulheres vítimas de estupro que não se excedam no exercício da legítima defesa, sob pena de serem perseguidas.

“Por exemplo, se um homem estupra uma mulher e ela o mata, a justiça deve agir porque a vida dela não estava em perigo”, declarou na terça-feira um dos responsáveis, Anton Tsvetkov.

“A violência sexual com frequência é um assunto desacreditado”, disse a advogada ucraniana Anna Sayenko, da organização internacional Strada Ukraine, que luta pelos direitos das mulheres.

Na Ucrânia, um país com 45 milhões de habitantes, apenas cerca de 320 casos de estupro ou tentativa de estupro foram registrados pelas autoridades no ano passado.

Ativistas dos direitos humanos afirmam que esse pequeno número não reflete a escala real do problema.

“O mais importante é transmitir às mulheres que a primeira coisa que elas precisam fazer se isso acontecer é entrar em contato com a polícia”, disse Sayenko.

A psicóloga Alevtyna Shevchenko afirmou que este tipo de compartilhamento de experiências nas redes sociais funciona como uma espécie de terapia de grupo, onde a interação entre os participantes encoraja até mesmo aqueles que costumar ficar calados.

“A violência ama o sigilo e o silêncio”, disse Shevchenko. “Admitir em voz alta que o problema existe é o primeiro passo para resolvê-lo. Não há outra maneira”, acrescentou.

No entanto, nem todas as reações à campanha on-line foram positivas.

Alguns internautas, em sua maioria homens, acusaram as participantes de “exibicionismo” e de fazer um “striptease público”. Um deles rotulou a campanha como um “festival de pornografia caseira”.

De um modo geral, porém, as vítimas foram apoiadas, e uma parlamentar ucraniana disse na terça-feira que os deputados já estavam coletando assinaturas para mudar a legislação sobre a violência sexual contra as mulheres depois de lerem as mensagens.

Melnychenko espera que ela e as mulheres que revelaram suas experiências tenham conseguido provocar um debate que traga uma mudança real na Ucrânia, enquanto o país tenta fazer um giro em direção ao ocidente.

“O debate público é um grande passo para a nossa sociedade”, disse a ativista. “Graças a essas valentes pioneiras, outras mulheres já perceberam que não estão sozinhas e que têm mais apoio do que pensavam”, completou.

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