Decreto abre espaço para que a queixa seja feita diretamente ao Vaticano se necessário. Dioceses devem incentivar especialistas de fora da igreja a participarem de investigações
(G1, 09/05/2019 – acesse no site de origem)
O Papa Francisco divulgou nesta quinta-feira (9) um decreto em que torna obrigatório padres e religiosos denunciarem suspeitas de casos de abusos sexuais às autoridades eclesiásticas. A carta também estabelece diretrizes de como as dioceses devem se lidar com as suspeitas de abuso. No entanto, não consta uma orientação para que os casos sejam reportados às autoridades civis.
O decreto papal “Vos estis lux mundi” (Vós sois a luz do mundo) é divulgado em um momento em que a igreja é alvo de diversas denúncias de crimes sexuais, desde pedofilia até abuso contra freiras (leia mais ao final da reportagem).
Em março, o papa já tinha publicado uma lei sobre a prevenção e o combate à violência sexual contra menores e pessoas vulneráveis, mas não falava sobre a investigação interna dos casos.
O que diz o decreto do Papa:
- Religiosos podem ser responsabilizados por acobertar casos de abuso
- Dioceses têm um ano para criar sistemas simples e acessíveis de notificação de denúncias
- Denúncia pode ser enviada para arcebispo metropolitano ou diretamente para a Santa Sé, dependendo do caso
- Dioceses devem incentivar igrejas a envolver especialistas de fora da Igreja nas investigações
- Vítimas devem receber assistência espiritual e Igreja deve fornecer assistência médica, terapêutica e psicológica
- Investigações devem garantir a confidencialidade dos envolvidos e durar até 90 dias.
O papa orienta ainda que os religiosos acolham, escutem e acompanhem vítimas e suas famílias. O pontífice, porém, mantém a inviolabilidade do sigilo da confissão. Assim, exclui que as denúncias sejam feitas a partir de relatos de fiéis feitos em confessionário.
Quando as suspeitas estiverem relacionadas a religiosos em alta posição hierárquica, como cardeais, patriarcas e bispos, a notificação pode ser enviada a um arcebispo metropolitano ou diretamente para a Santa Sé caso necessário.
Essa carta emitida diretamente pelo papa modifica diretamente a legislação interna da Igreja (o direito canônico), mas não modifica as sanções já previstas. Até então, os clérigos e religiosos denunciavam os casos de violência de acordo com sua consciência pessoal.
O papa ressalta que os “crimes de abuso sexual ofendem Nosso Senhor, causam danos físicos, psicológicos e espirituais às vítimas e lesam a comunidade dos fiéis”.
Em um momento em que a igreja enfrenta escândalos de violência sexual em vários países, o papa afirma que “deve-se continuar a aprender das lições amargas do passado a fim de olhar com esperança para o futuro”.
A responsabilidade de lutar contra os crimes sexuais recai, em primeiro lugar, segundo o pontífice, “sobre os sucessores dos apóstolos, colocados por Deus no governo pastoral do seu povo”. De acordo com a Associated Press, a igreja católica conta com 415 mil padres e 660 mil religiosas em todo mundo.
O que é considerado abuso?
A carta considera delito sujeito à investigação denúncias que indiquem que algum religioso:
- forçou alguém, com violência, ameaça ou abuso de autoridade, a realizar ou sofrer atos sexuais;
- teve atos sexuais com um menor de idade ou com uma pessoa vulnerável;
- produziu, exibiu, portou ou distribuiu material pornográfico infantil, bem como atuou no recrutamento ou indução de um menor ou pessoa vulnerável a participar em exibições pornográficas.
Escândalos sexuais
A Igreja Católica, que tem 1,3 bilhão de seguidores em todo o mundo, passou por sucessivos escândalos envolvendo abusos nos últimos anos. O Papa Francisco enfrenta divisões agudas em Roma sobre como lidar com as consequências do problema que corrói a autoridade da Igreja e abala sua credibilidade.
Casos de pedofilia vieram à tona em diversos países, como Austrália, Estados Unidos e Chile, onde 34 bispos acusados de acobertar crimes sexuais colocaram seus cargos à disposição do Vaticano. No início deste ano, o Papa Francisco admitiu que padres e bispos abusaram de freiras.
Desde o início dos anos 2000, o Vaticano vem tomando medidas para evitar esses casos. Ainda no papado de João Paulo II, foi declarada tolerância zero aos casos de pedofilia, e as denúncias foram estimuladas. O Papa Bento XVI passou a selecionar com mais rigor a entrada dos jovens padres à igreja e afastou muitos religiosos.
Já o Papa Francisco foi o primeiro pontífice a ver a questão como abuso de poder, embora tenha se envolvido em uma polêmica ao defender um bispo chileno – posteriormente, ele reconheceu que cometeu “graves erros de avaliação” sobre o caso.
Em março, o papa publicou a lei sobre a prevenção e o combate à violência sexual contra pessoas vulneráveis, que se aplicam aos funcionários da Cúria e do Vaticano e ao corpo diplomático.