Mudanças climáticas e os eventos extremos, catalisadores das desigualdades de gênero, por Emanuelle Góes

11 de março, 2025 Opinião Por Emanuelle Góes

O ciclo da carbonização é desigual, mas o da descarbonização não precisa ser. Partindo dessa premissa, estamos dispostas a refletir, informar e evidenciar que as desigualdades estruturais e prévias de gênero e raça, na sua intersecção com outros marcadores correlatos, têm tornado as condições de vida, a saúde sexual e a saúde reprodutiva de meninas e mulheres cada vez mais difícil. Neste ponto de conexão desigual, os locais mais atingidos pelos eventos climáticos extremos são aqueles em que a feminização da pobreza, as violências de gênero e ausência do estado como direito se encontram.

Intensidade e frequência, o aumento dos eventos climáticos extremos, no contexto desigual, é diretamente proporcional ao aumento das violências de gênero. É consenso, dos Organismos Internacionais e Movimentos Feministas e de Mulheres, que as mudanças climáticas provocam e adensam as desigualdades de gênero e as violências, que são geradas por efeitos diretos e efeitos indiretos. Os efeitos diretos incluem: os impactos nas instalações e infraestruturas de saúde e nas cadeias de abastecimento e insumos de saúde, que podem prejudicar o acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva. E os efeitos indiretos são: as consequências dos choques e tensões relacionados com as alterações do clima para as finanças das famílias, que podem reduzir os recursos disponíveis para os cuidados de saúde e o aumento da incidência de violência baseada em gênero, incluindo o casamento precoce, a violência sexual, violência doméstica e o tráfico sexual.

Divisão desigual e pobreza de tempo

A divisão sexual do trabalho, que define o papeis desiguais de gênero em muitas sociedades e realidades, se redobra nas secas extremas e períodos de longa estiagem, assim como nas grandes enchentes e inundações. No contexto de seca são as meninas e mulheres responsáveis em fazer a gestão da água, desde buscar água fazendo longas caminhadas até cuidar do uso da água no domicílio e na comunidade. As caminhadas prolongadas se tornam um dos fatores de exposição à violência sexual. Assim como, a dedicação na gestão da água gera pobreza de tempo das meninas e mulheres que são obrigadas a parar de estudar e de fazer outras coisas de suas vidas, tornando escasso o tempo para o lazer, o descanso e o cuidado.

Mulheres em condições de maiores vulnerabilidades socioeconômicas tendem a contar com menos ferramentas e rendas para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas como residir em área menos suscetível a deslizamentos de terras ou a inundações. Neste outro ponto extremo dos eventos climáticos, as mulheres são sobrecarregadas para garantir o cuidado e bem-estar das pessoas, com tendência cuidarem dos doentes, feridos, amputados e enlutados em decorrência desses eventos.

No relatório “O clima injusto: Medir os impactos das alterações climáticas nas zonas rurais pobres, nas mulheres e nos jovens” (FAO, 2024) informa que as famílias chefiadas por mulheres perdem muito mais de sua renda do que as chefiadas por homens quando ocorrem eventos climáticos extremos. Os diferentes tipos de eventos climáticos extremos afetam as famílias chefiadas por mulheres, em relação àquelas chefiadas por homens, de maneiras diferentes. Nas inundações, perda de renda. Um dia adicional de seca ou de temperaturas extremas, renda agrícola reduzida. Diante das mudanças climáticas, as famílias chefiadas por mulheres respondem a eventos climáticos extremos de diversas maneiras, mas essas estratégias não reduzem sua vulnerabilidade.

As mudanças climáticas, uma (in)justiça reprodutiva

Para garantia da boa saúde sexual e reprodutiva é preciso bem-estar físico, espiritual, político, econômico e social, sendo fundamental promover condições sociais (justiça social) como questões ligadas a moradia, acesso à água potável, à segurança alimentar e à terra. São mulheres negras, indígenas e de comunidades tradicionais as mais vulnerabilizadas e impactadas por esse contexto, assim como pessoas de orientação sexual, identidade e/ou expressão de gênero sub-representadas aquelas que vivenciam formas múltiplas e interseccionadas de discriminação e opressão e por isso devem ser priorizados de forma central.

Pessoas das margens, das periferias do mundo, as mais atingidas pelas crises humanitárias e desastres climáticos e ambientais, no entanto, são elas também as que trazem a solução e, por isso, devem estar no centro para adaptação dos tempos que vivemos em mudanças. Uma adaptação climática justa precisa ser baseada em humanidades reconhecendo as sociedades desiguais, que foram e ainda são construídas na base do sistema colonial e patriarcal. Mulheres no centro. Mulheres Negras, Mulheres Indígenas no centro. Assim o mundo que está se adaptando será de todas as pessoas.

Referências:

GÓES, Emanuelle F. Semiárido em perspectiva de Gênero: violências sexuais contra meninas e adolescentes e os efeitos dos períodos prolongados de seca. Caderno Iyaleta Vol. VI Selo Iyaleta. Org. Iyaleta – Pesquisa, Ciências e Humanidade: Salvador/BA – Brasil, 2024. 28p. 978-65-980472-5-2. Disponível em: https://bit.ly/caderno-iyaleta-6

WOMEN DELIVERY. The link between climate change and sexual and reproductive health and rights [Internet]. 2021. Disponível em: https://womendeliver.org/wp-content/uploads/2021/02/Climate-Change-Report.pdf

OLIVERA, M. PODCAMENI, M. G; LUSTOSA, M. C; GRAÇA, L., “A dimensão de gênero no Big Push para a Sustentabilidade no Brasil: as mulheres no contexto da transformação social e ecológica da economia brasileira”, Documentos de Projetos (LC/TS.2021/6; LC/BRS/TS.2021/1), Santiago e São Paulo, CEPAL e Fundação Friedrich Ebert Stiftung, 2021. Disponivel em: https://repositorio.cepal.org/server/api/core/bitstreams/66dfce7f-5bb1-4a44-beb9-e505e077a9a7/content

FAO. El clima injusto: Medir el impacto del cambio climático en la población rural pobre, las mujeres y los jóvenes. Resumen. Roma. 2024. DOI: https://doi.org/10.4060/cc9638es

Emanuelle Góes é pesquisadora sênior e Coordenação Científica da Associação de Pesquisa Iyaleta. Doutora em Saúde Pública, lidera a linha de pesquisa “Equidade de Gênero e Justiça Reprodutiva” na sociedade científica. Autora do Caderno Iyaleta Vol. 6 “Semiárido em perspectiva de gênero: violências sexuais contra meninas e adolescentes e os efeitos dos períodos prolongados de seca”.

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas