(Senado Notícias, 24/06/2015) Negros, jovens e do sexo masculino. Geralmente vítimas de discriminação e agressões psicológicas em sua própria casa, por vizinhos tão jovens quanto eles. Esse é o perfil da maioria das vítimas de violência por orientação sexual e identidade de gênero, apontado nesta quarta-feira (24) em audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).
A partir de levantamentos feitos pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, os participantes da audiência revelaram os primeiros retratos das vítimas de homofobia no Brasil. Os dados ainda são escassos e pouco qualitativos. Faltam estatísticas específicas sobre a questão, uma vez que o levantamento foi feito com base em canais de denúncias de violência de modo geral – como o Disque Direitos Humanos (Disque 100).
— É preciso pensar em como fortalecer essa rede de proteção às vítimas, criar um protocolo de denúncias. O Brasil carece de legislações que punam atos de discriminação ou preconceito motivados por orientação sexual e pela identidade de gênero — afirmou Juliana Gomes Miranda, diretora do Departamento de Promoção dos Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Crime de Racismo
Um passo neste sentido foi anunciado na audiência pela coordenadora do Grupo Candango de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília e representante da Procuradoria Geral da República, Ela Wiecko Volkmer de Castilho. Esta semana o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) defendendo que homofobia e transfobia devem ser julgadas como crime de racismo.
Esse é entendimento defendido por Janot em manifestação à ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO 26/DF), proposta pelo Partido Popular Socialista (PPS) por inércia do Congresso Nacional em editar uma lei específica para criminalizar todas as formas de homofobia e transfobia. O procurador recomendou ao Supremo adotar a Lei do Racismo (Lei 7.716/1989) para tipificar comportamentos discriminatórios e preconceituosos contra a população LGBT.
A criminalização do preconceito, no entanto, não deve avançar como ação isolada no combate à homofobia, alertou a pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero e professora da Universidade de Brasília (UnB), Débora Diniz. Ela argumentou que outras duas frentes devem avançar juntas: a discussão sobre identidade de gênero nas escolas e o reconhecimento dos variados modelos de família na sociedade.
— Não há como criminalizar, mas deixar de fora a educação, evitando o debate da questão nas escolas. Assim como também não é possível ignorar as diversas formas de família já existentes — explicou. Em sua explanação, Débora citou casos reais de vítimas de homofobia e emocionou o público da audiência ao cobrar ações concretas de combate à violência.
Religião e política
Também presente no debate, o presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Carlos Magno Silva Fonseca, leu o documento assinado esta semana em Brasília durante um seminário de entidades de defesa dos direitos GLBT. Batizado de “Carta de Brasília”, o texto afirma que, nos últimos anos, tem havido no país o crescimento de forças reacionárias que se opõe aos avanços civis. O Brasil, alertou o documento, atravessa hoje um “verdadeiro tsunami reacionário”.
— O fundamentalismo religioso tem aumentando sua influência na esfera dos poderes Executivo e Legislativo. Com discursos muitas vezes agressivos, parlamentos são transformados em púlpitos religiosos. Nós temos que defender cada vez mais a laicidade do Estado e não admitir que a arena política seja tomada pelos discursos morais e religiosos — disse Fonseca, ainda lendo o documento.
Responsável pela realização e condução da audiência pública, a senadora Marta Suplicy (PT-SP) informou que, apesar do arquivamento do projeto que criminalizava a homofobia (PLC 122/2006), ela apresentou emendas ao projeto que institui o novo Código Penal (PLS 236/2012), em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), voltando a tornar crime as discriminações por identidade de gênero.
Entre o público – presente na reunião ou participando pelos canais interativos – outra questão foi levantada: a interferência parlamentar na formação dos planos locais de educação, uma das etapas para elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE). Segundo contaram vários participantes, prefeitos estariam sendo pressionados pelas bancadas conservadoras do Congresso a não incluir no plano o debate sobre questões de gênero nas escolas.
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