Isabela Reis: ‘Base da pirâmide sociorracial, as mulheres negras vivem o pior que o país tem a oferecer’

20 de novembro, 2019

Jornalista analisa a situação das mulheres negras brasileiras a partir do histórico discurso em que a ex-escrava Sojourner Truth, nos EUA de 1851, questionou: ‘Não sou eu uma mulher?’

(O Globo, 20/11/2019 – acesse no site de origem)

Quando questionou “não sou eu uma mulher?” durante uma convenção de mulheres em Akron, Ohio, em 1851, Sojourner Truth não calou apenas os homens que tentavam inviabilizar a luta pelo direitos das mulheres, silenciou também as feministas brancas que vaiaram quando a ex-escrava posicionou-se para discursar.

No mesmo ano em que Sojourner vociferava contra aqueles que se recusavam a permitir que mulheres negras norte-americanas tivessem direito a educação e ao voto, no Brasil, as escravizadas ainda eram animalizadas e tratadas como mercadoria por mulheres e homens brancos escravocratas. Somente em 1888, após séculos de pressão e resistência negra, o Brasil aboliu formalmente a escravidão em uma assinatura que condenou a população negras às margens e manteve os brancos onde sempre estiveram: no poder.
De 2007 a 2017, o número de homicídios de mulheres negras aumentou em 60% no Brasil. O crescimento para mulheres não negras foi de 1,7%. As mulheres pretas recebem menos anestesia local quando a episiotomia – corte no períneo para facilitar a saída do bebê durante o parto vaginal – é realizada. Mulheres brancas recebem 75% da renda média dos homens brancos, as negras, apenas 43%. A taxa de desemprego entre mulheres negras é de 16,6%. Entre brancas, 11%.
VÍDEO:
‘Quem nunca foi chamada na escola de cabelo de bombril?’ questiona a colunista do Globo Flávia Oliveira. Ela e outras mulheres negras da redação de O Globo e Extra, jornalistas ou não, contam neste vídeo como foi o processo de aceitação do cabelo natural, marcando o dia internacional da mulher negra latino-americana e caribenha, em 25 de julho.

Não são percepções subjetivas, são dados estatísticos do Atlas da Violência 2019, do estudo “A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil” 2017 da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz) e da Pesquisa Nacional de Domicílios Contínua trimestral do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IGBE), respectivamente.

Como vivem as mulheres negras? Sendo a base da pirâmide sociorracial brasileira, vivem o pior que o país tem a oferecer.

A empatia é palavra invisível na prática. Sororidade de mulheres brancas com negras é item de colecionador, raríssimo. O que garante a sobrevivência de pretas e pardas nesse país historicamente hostil é o conceito de dororidade, cunhado pela intelectual Vilma Piedade, a solidariedade e aliança entre mulheres negras que surge a partir de experiências dolorosas com o racismo.

Negras continuam ansiando por movimentos de diversidade interseccionais, ou seja, que além de questionar os papéis de gênero, pensem principalmente em como raça e classe são determinantes para a vivência em sociedade.

Enquanto isso, fico com Martin Luther King que afirmava que “a compreensão superficial das pessoas de boa vontade é mais frustrante do que a incompreensão absoluta daqueles de má vontade. A aceitação indiferente é mais desconcertante que a rejeição direta.”

Não é mais somente sobre representatividade. Além de condições de sobrevivência e qualidade de vida, faltam proporcionalidade e cadeiras cativas nos espaços de poder. É tempo de largar o osso.

Por Isabela Reis

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