Mãe negra se preocupa com violência quando o filho sai, diz consultora da Opas

23 de julho, 2015

(EBC, 23/07/2015) “A preocupação da mãe negra é permeada por uma concretude, uma materialidade. A cada momento que um filho seu sai [de casa], há aquela certeza de que ele pode ser morto”, disse a consultora da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) no Brasil, Maria Inês da Silva Barbosa, durante palestra nesta quarta (23) na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em seminário comemorativo do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, no próximo sábado (25).

Ela abordou a necessidade de olhar as especificidades da população negra nas políticas públicas de saúde, de educação, de segurança, e deu o exemplo da mãe negra, que enfrenta um medo constante da violência contra seus filhos. Segundo a consultora da Opas, o médico que atende a mãe negra verifica que ela tem pessão está alta e pergunta se ela está tomando o remédio. Só que o médico não tem ideia dos medos que a afligem, ressaltou.

Maria Inês agradeceu a todas “as pessoas invisíveis” que permitiram a concretização do seminário, limpando os banheiros ou preparando o almoço. Pessoas que, na maioria das vezes passam despercebidas, e só são notadas quando surgem problemas a serem contornados. Ela defendeu a desnaturalização do olhar diante do racismo institucional, apontando os próprios quadros do auditório, que mostram 20 retratos de presidentes da entidade – nenhum deles mulher ou negro.

“Esse é um contexto histórico, é a nossa estrutura. Mas eu tenho que olha-lá para que ela deixe de ser natural. Eu não tenho, não posso, nem devo considerar isso natural. Há algo de errado aqui, e somos nós que temos que desfazer essa história. É nossa responsabilidade individual e coletiva”, disse Maria Inês.

A professora de Serviço Social da Universidade Federal da Bahia Magali da Silva Almeida ressaltou que a luta da mulher negra pela vida começou antes mesmo da escravidão e da diáspora forçada dos povos africanos. E essa luta continuou ao longo da história brasileira, pois a necessidade de atuar no espaço público, em funções desvalorizadas, deu às mulheres negras a capacidade de articular redes de resistência dentro de suas possibilidades.

“A resistência [da mulher negra] emerge não apenas do ponto de vista ideológico e das ideias. É corporificada, tem corpo, espacialidade, alegria, sofrimento”, diz Magali, que, com seus 38 anos de carreira acadêmica, destaca que a academia é um espaço hostil ao negro. No seu entender, “é preciso enfrentar o racismo institucional”, e salienta que não há como negar a presença do racismo. “Ela é inconteste, perene, sistêmica. A gente não tem outra alternativa se não lutar”, enfatizou.

Integrante do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz, Roseli Rocha, enumerou situações em que as mulheres negras são prejudicadas. Ela disse em sua palestra que as trabalhadoras negras ocupam as piores condições de trabalho e recebem as menores remunerações. São as que representam, majoritariamente, as categorias de trabalho doméstico, têm filhos ainda bem jovens vitimados pela violência e são também as maiores vítimas da violência doméstica e da mortalidade materna.

A artista plástica Deise Lilian Alves do Nascimento, conhecida como Delan, foi ao seminário expor e vender obras de arte em que conta a história dos orixás e resgata a iconografia africana. Para ela, a data é um dia de luta, de resistência da mulher e também negra. “Sofremos discriminação duas vezes. Garantir essa data é um movimento de resistência, de se reunir e discutir questões importantes. Se não nos organizarmos coletivamente não teremos força suficiente para mudar essa realidade de discriminação e violência”.

Vinícius Lisboa

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