Ministério da Justiça é acusado de confundir escravidão com migração

14 de outubro, 2015

(O Globo, 14/10/2015) Ministério da Justiça é acusado de confundir escravidão com migração 

Uma campanha contra a xenofobia e o preconceito a migrantes, que começou a ser veiculada pelo Ministério da Justiça nesta terça-feira nas páginas de Facebook e Twitter, gerou uma enorme polêmica. Na peça publicitária, o jovem negro Matheus Gomes, de 18 anos, aparece sorridente com os seguintes dizeres ao lado de sua foto: “Meu avô é angolano, meu bisavô é ganês. Brasil. A imigração está no nosso sangue”. Junto ao cartaz, o Ministério postou a seguinte mensagem: “há cinco séculos, imigrantes de todas as partes ajudam a construir nosso país”.

Na tarde de terça, tão logo a postagem entrou no ar, as páginas do Ministério foram inundadas por manifestações negativas. Segundo internautas, o Ministério da Justiça confundiu imigração com escravidão. Juliana Borges, uma das que comentou a página, indignou-se: “Imigrante? Pessoas traficadas e escravizadas foram imigrantes? Alguém nos salve de um Ministério da Justiça desse!”. Descendente de negros, Twylla Ferraz Aragão comentou: “gourmetizaram o sequestro do povo preto, agora chamam de imigração. Fica até bonito assim, esse pretinho sorrindo se dizendo descendente de angolano e ganês, com sobrenome “Gomes””. Já Jaqueline Gomes de Jesus, especialista em história contemporânea, afirmou que “a ideia pode parecer boa, num primeiro olhar, mas é falaciosa. Não dá pra comparar o hediondo tráfico transatlântico da população africana para o Brasil com os processos migratórios atuais”.

A reação surpreendeu o Ministério da Justiça. O órgão foi forçado a responder aos críticos. Extraoficialmente, o argumento de defesa do Ministério da Justiça à peça é que a escravidão foi abolida há 127 anos e o tráfico negreiro acabou em 1850, quando a Lei Eusébio de Queirós proibiu a entrada de novos escravos no país.

– Cronologicamente, os ascendentes do menino da campanha realmente não poderiam ser escravos, mas a peça mexe com uma questão simbólica, faz menção aos antepassados negros dos brasileiros e nesse caso a grande referência é a escravidão – afirma o professor de História Da PUC-SP, Luiz Antônio Dias, especialista em estudos afro-brasileiros.

Estima-se que apenas o Brasil recebeu cerca de 5 milhões de negros escravizados, a maioria oriunda das regiões de Angola e Congo. Outros 3 milhões teriam morrido na travessia do mar. Segundo Dias, depois do período de escravidão, não houve nenhuma grande onda migratória africana para o Brasil até recentemente, quando o fluxo foi retomado espontaneamente. Africanos são o segundo maior grupo a pedir refúgio no país hoje. Perdem apenas para os sírios. Entre as nacionalidades africanas que têm chegado ao Brasil estão senegaleses, angolanos e nigerianos.

– É uma propaganda de mau gosto, uma falta de sensibilidade. Não se pode sugerir que escravidão e migração sejam semelhantes. Nem reforçar o mito de escravos felizes ou de democracia racial. O melhor caminho seria retirar a propaganda do ar – defende Dias.

O Ministério da Justiça afirma que o cartaz não será retirado do ar e que a campanha prosseguirá. De acordo com a nota, “o Ministério da Justiça apoia a importante discussão sobre a escravidão na nossa história” e “o governo promove diversas medidas de inclusão para reverter essa triste herança”. Segundo o órgão, o objetivo da campanha era combater a xenofobia e “abordará várias histórias de brasileiros e brasileiras que são descendentes de nacionalidades as mais diversas – incluindo africanas, latino-americanas, europeias, asiáticas”. O cartaz é o primeiro de uma série de nove retratos com brasileiros que depõe sobre a origem de seus antepassados, e foi motivada por episódios recentes de preconceito e violência contra imigrantes e refugiados. A expectativa era atingir cerca de 12 milhões de pessoas, mas a meta deve ser superada diante da polêmica.

Mariana Sanches

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