Ouvidoria federal registra mais de 2 mil casos de racismo em quatro anos

24 de novembro, 2015

(O Globo, 24/11/2015) Enquanto faziam uma entrega de bebidas no bar Garota da Tijuca, na última sexta-feira, três homens negros ganharam bananas do gerente da casa. Segundo os entregadores, o funcionário Ascendino Correia Leal disse que dava as frutas em “homenagem” ao Dia da Consciência Negra, por serem todos “da mesma raça”. O episódio foi noticiado no blog da coluna Gente Boa, na segunda-feira, 22.

Sentindo-se ofendidos, os três homens acionaram a Polícia Militar, e o gerente do bar foi levado para a 19ª DP (Tijuca). Ele pagou uma fiança de R$ 800 e foi liberado na própria sexta-feira. Vai responder a um processo de injúria racial. De acordo com o delegado da 19ª DP, Celso Gustavo Castello Ribeiro, o inquérito será encaminhado ainda esta semana para o Ministério Público. Se condenado, Correa Leal, de 66 anos, terá que pagar uma multa e poderá pegar de um a três anos de reclusão, que geralmente são convertidos em serviços comunitários.

“Numa homenagem ao dia de hoje, uma banana para cada um porque vocês são tudo (sic) da mesma raça”, teria dito o gerente, segundo o depoimento de uma das vítimas, Leonardo Valentim, de 38 anos.

— Quando ele viu nossa reação, fingiu que era só uma brincadeira. Foi uma cena lamentável. Eu já tinha visto jogadores de futebol sendo ridicularizados, mas não imaginava passar por uma dessa em pleno Dia da Consciência Negra. Fiquei tão chateado que nem consegui dormir — contou na delegacia Valentim, que é motorista do caminhão que entregava as bebidas.

Na noite desta segunda-feira, o Grupo Garota, que administra o bar, informou que o funcionário será demitido.

“A direção do grupo Garota, perante a atitude independente de um funcionário da Tijuca, comunica que não compactua com a mesma e tomará as medidas necessárias, com a sua demissão imediata. Nossa empresa atua no mercado há mais de 60 anos, com mais 600 funcionários e casos como esse são inadmissíveis. O Grupo Garota, através de sua assessoria de imprensa, informa que repudia qualquer ato de discriminação.Pedimos desculpas aos nossos clientes e fornecedores, certos que isso não se repetirá”, disse o grupo, em nota.

MAIS DENÚNCIAS

Existem 2.165 denúncias de racismo e injúria social registradas no Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos deste 2011, ano em que uma ouvidoria específica para esses crimes foi criada.

Professor da FGV Direito Rio, Ivar Hartmann ressalta a importância de que casos assim tenham cada vez mais visibilidade.

— O alto número de denúncias que temos hoje não significa que estejam acontecendo mais episódios de racismo, e sim que as pessoas estão denunciando mais. Elas não estão deixando passar como se fossem meras brincadeiras — diz Hartmann. — O Estado tem que punir, mas esta não pode ser a única maneira para conseguirmos baixar esse índice. A sociedade também tem que repreender. A ridicularização que a pessoa que faz afirmações racistas sofre na rua e nas redes sociais traz um impacto muito mais rápido e eficiente. É a sociedade se posicionando contra esse tipo de atitude.

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Enquanto a injúria racial consiste em ofender a honra de alguém valendo-se de sua cor ou etnia, o crime de racismo atinge a integridade de uma coletividade. Ao contrário da injúria racial, racismo é inafiançável e imprescritível. Entretanto, não há um consenso entre juristas sobre as situações em que cada um desses conceitos se aplica melhor.

Segundo a gerente administrativa do bar Garota da Tijuca, Simone Rezende, a versão do funcionário é diferente.

— Não admitimos comportamento racista. Mas o que o Correia nos contou foi que deu as bananas assim como poderia ter dado outra fruta. Como os entregadores ficam muito tempo esperando para concluir o serviço, ele sempre oferece comida. E disse que não comentou nada sobre o Dia da Consciência Negra — alegou ela. — Ele teve problemas de saúde com a repercussão.

Clarissa Pains

Acesse no site de origem: Ouvidoria federal registra mais de 2 mil casos de racismo em quatro anos (O Globo, 24/11/2015)

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