(O Dia, 08/02/2015) Em dez anos, o abismo que separa negros e brancos no mercado de trabalho encolheu no Brasil, graças ao crescimento mais acelerado da renda do primeiro grupo. Enquanto o salário médio de negros e pardos cresceu 56,3% entre 2003 e 2014, a remuneração dos brancos subiu 30,4%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
De acordo com Milko Matijascic, pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), o fenômeno pode ser explicado, em parte, pela política de valorização real do salário mínimo. Com a fórmula de reajuste pelo crescimento do Produto Interno Bruto somado à inflação, o piso teve aumento real de 72,31% entre 2003 e 2014.
“Grande parte da população negra recebe um salário mínimo. Essa política foi extremamente positiva”, afirma. Além de beneficiar diretamente trabalhadores que recebem o piso, a novidade política também impulsionou a negociação de pisos regionais e de diversas categorias. “Sempre que o mínimo sobe, acaba sendo um patamar para outras negociações”, diz João Carlos Gonçalves, secretário-geral da Força Sindical.
Foi o que ocorreu com o padeiro Alexandre Monteiro, 49. Funcionário da padaria Gran Rio, no Centro do Rio, ele ganhou poder de compra nos últimos anos, com reajustes acima da inflação. “Com o salário, criei minha filha, comprei casa e hoje consigo dar coisas para ela e meus quatro netos”, relata.
O aumento da formalização também é apontado como fator de expansão da renda. De acordo com pesquisa conduzida pelo Sebrae em 2013, negros e pardos correspondem a 53,4% dos microempreendedores individuais formalmente registrados no país.
É o caso do chef de cozinha Márcio Barboza, 32, que possui um buffet e uma lanchonete, além de ter outro emprego formal como instrutor de cozinha na Masan, empresa que presta serviços na área de alimentação. Para ele, o caminho da melhoria na carreira veio pela qualificação. O interesse pela área o levou a fazer o primeiro curso de qualificação com apenas 13 anos, para lancheiro. Ainda jovem, entrou para as aulas de cozinheiro do Senac.
“Hoje, possuo coisas que eu nunca imaginava. Tenho um carro e um apartamento que está em construção em Santa Cruz”, diz o empresário, orgulhoso.
Disparidade ainda persiste no mercado
Apesar dos avanços, a igualdade racial no mercado de trabalho ainda é uma meta distante. A média de rendimento de trabalhadores negros e pardos é de R$ 1.507,35, enquanto brancos recebem, em média, R$ 2. 596,86, diferença de 41,9%.
As disparidades se repetem em todas as categorias pesquisadas pelo IBGE. Entre militares e servidores públicos, os brancos têm rendimento médio de R$4.026, enquanto negros recebem, em média, R$2.865. Já no setor privado com carteira assinada, os negros e pardos ganham R$ 1.441. Já os brancos têm remuneração de R$ 2.300.
Para Jorge Abrahão, diretor-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, as empresas precisam avançar mais rapidamente na valorização de diversidades, sejam elas de gênero, raça ou orientação sexual. Estudo conduzido pelo instituto revela que somente 5% de cargos executivos no Brasil são ocupados por negros, sendo que sua representação na sociedade brasileira é de 51%.
“As empresas têm que reconhecer esse problema, mas não como uma tarefa, e sim como um entendimento de que a diversidade é uma riqueza para qualquer companhia”, afirma. Abrahão defende que as organizações invistam em ações de qualificação direcionadas para as minorias e usem a busca pela diversidade como critério em processos seletivos.
A situação é ainda pior para as mulheres negras, que sofrem com discriminações de gênero e de raça. Elas têm renda média de R$ 1.268. O valor representa 41,5% a menos do que ganham as mulheres brancas (R$ 2.170). As negras também recebem 25,54% a menos que homens negros (R$ 1.703). “É preciso trabalhar políticas de gênero e raça em paralelo. Não adianta pensar que se melhorar a educação de um modo geral, tudo vai se equiparar. As mulheres já têm mais anos de educação que homens e continuam ganhando menos”, diz Matijascic.
Cotas não refletem em estatística
A influência da política de cotas ainda é dúvida nas estatísticas do mercado de trabalho. Para Matijascic, do Ipea, a política é muito recente e pontual para ter reflexos relevantes nos indicadores macroeconômicos. Apesar de ter sido adotada por universidades como a Uerj há dez anos, a Lei das Cotas só entrou em vigor em 2012. No ano passado, 98 mil vagas foram ofertadas para estudantes cotistas em universidades federais.
Para Frei David Santos, especialista em ações afirmativas e fundador da ONG Educafro, não há dúvidas de que esta política provoca reflexos positivos na classe negra. “A comunidade negra está se empoderando, especialmente por meio do acesso à universidade”, afirma.
Perspectiva de futuro melhor
Estudante da Uerj, Nelson Pires, 22 anos, é um exemplo do salto que está sendo proporcionado pela política de cotas. Nascido em Nova Iguaçu, ele frequentou cursinhos comunitários e conseguiu uma vaga no curso de Engenharia Civil. Ele foi incentivado pela irmã, que já havia conseguido vaga no curso de Direito.
Segundo Nelson, seus pais não frequentaram a universidade e sequer incentivavam seus filhos a prosseguir com os estudos após o Ensino Médio. “Meu pai falava para minha irmã que ela teria um diploma, mas não teria um emprego. Hoje, ele mudou de postura, nos ajuda sempre que precisamos e incentiva meus outros dois irmãos a estudar”, afirma ele, que já ajudou o pai em obras, foi funcionário de telemarketing e hoje vê um cenário promissor para o futuro. “A gente quebrou um ciclo. Também vou exigir que meus filhos estudem também”, afirma, contando que a irmã acabou de passar na prova da Ordem dos Advogados do Brasil.
Após a implantação da Lei de Cotas, as políticas afirmativas avançaram no país. Em 2014, foi aprovada uma lei que reserva vagas para negros em concursos públicos. No ano passado, também foi sancionada no Rio lei que garante cotas em cursos de pós-graduação.
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