(Carta Capital, 19/01/2016) Academia reitera sua despreocupação com questão racial e gênero, mesmo depois dos discursos de ganhadores em 2015
Está aberta a temporada de premiações nos EUA. Já sabemos quem ganhou o Globo de Ouro e o Critic’s Choice Awards desse ano, ainda tem pela frente muita estrada várias outras premiações até culminar em fevereiro no Oscar. A principal premiação cinematográfica de Hollywood e que em 2015 foi palco de discursos sobre minorias muito importantes. Patrícia Arquette falando sobre equidade salarial entre homens e mulheres e John Legend falando sobre o processo de encarceramento em massa da juventude negra existente nos EUA, ao mesmo tempo que Selma, filme resgatando parte importante do movimento de direitos civis da população negra, concorria apenas a uma estatueta. Infelizmente, os discursos e debates apresentados no Teatro Dolby não ressoaram de forma tão profunda na Academia quanto se gostaria.
Desde a divulgação dos indicados ao Oscar 2016 as timelines dos EUA tem sido invadidas pela hashtag #OscarsSoWhite e nesta semana Jada Pinkett-Smith e Spike Lee anunciaram boicote a cerimônia de entregado Oscar este ano por conta da ausência de indicação de atores negros concorrendo. A questão é que depois de um ano, lembremos que 2015 e 2016 não são qualquer coisa para o debate político dos EUA, em que tanto no mundo entretenimento quanto nos movimentos políticos estadunidenses a questão da representatividade de gênero e raça foi posta no centro do debate social daquele país.
Há um boom de produções bem sucedidas abrindo espaço para a população não branca na TV, inclusive gerando reconhecimento nas premiações desde o final de 2015 quando Viola Davis se tornou a primeira mulher negra a ganhar um Emmy apresentando um debate sobre quais são as oportunidades de trabalho no entretenimento para as mulheres negras. Ao mesmo tempo as ativistas do #BlackLivesMatter tem pautado de forma sistemática o processo de prévias eleitorais dos EUA a necessidade de se falar sobre violência policial e encarceramento em massa sofrido pela população naquele país. Ou seja, o boicote de Pinkett Smith e de Lee faz parte desse caldo sobre o debate da representatividade e ao mesmo tempo de retirada de direitos que vem sendo discutidos nos EUA.
Spike Lee seria homenageado na cerimônia deste ano do Oscar e por conta do anuncio do seu boicote a presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, Cheryl Boone Isaacs, se pronunciou novamente sobre a ausência de negros e latinos nas nomeações referente a atores e atrizes.
Gostaria de reconhecer o incrível trabalho dos indicados deste ano. Mas ao mesmo tempo em que celebramos seus feitos extraordinários, estou frustrada e com o coração partido por causa da falta de inclusão. É uma conversa difícil, mas importante, e é tempo de grandes mudanças. A Academia está tomando medidas dramáticas para alterar a face de nossos membros. Nos próximos dias e semanas iremos conduzir uma revisão de nosso processo de recrutamento de novos membros com a intenção de trazer a tão necessária diversidade em nossos escolhidos de 2016 e próximos anos.
Como muitos de vocês sabem, implementamos mudanças para diversificar nossos membros nos últimos quatro anos. Mas os resultados não estão chegando rápido o bastante. Precisamos fazer mais, melhor e mais rápido.
Isso não é algo sem precedentes na Academia. Nos anos 60 e 70, trabalhou-se o recrutamento de membros jovens para manter a entidade vital e relevante. Em 2016, o tema é a inclusão em todas as suas faces: gênero, raça, etnia e orientação sexual. Reconhecemos as preocupações reais em nossa comunidade e eu aprecio todos vocês que me procuraram em nosso esforço de seguir em frente juntos. (retirada daqui)
Ora, após todo debate apresentado na premiação do Oscar de 2015 sobre raça e gênero, inclusive críticas ao fato de Selma ter apenas sido indicado a uma categoria do prêmio da Academia, já não era para essa revisão que foi divulgada agora por Boone Isaacs já ter sido implementada para as indicações do Oscar 2016? A questão racial e de gênero tem ajudado a movimentar dinheiro para a industria de entretenimento no último período e ao invés de responder aos problemas que já haviam surgido em 2015 a Academia chora em cima do leite derramado e agora tendo que enfrentar boicote de figuras importantes do entretenimento estadunidense.
A industria do entretenimento dos EUA tem mostrado que filmes e séries com protagonistas não brancos, alguns do exemplos são: Scandal; How get away with murder; Empire; Jane, the virgin; Star Wars, the force awakens; Creed; Straight Outta Compton; Beasts of No Nation e tantas outras produções seja pra TV ou cinema demonstram que há sim espaço para a Hollywood explorar com protagonistas não brancos e ainda assim não deixar de ganhar dinheiro. Garantir a representatividade negra e latina nas premiações não custaria dinheiro, na verdade ajudaria a ganhá-lo.
A homenagem a Denzel Washigton no Globo de Ouro demonstra isso, Taraji P. Henson ganhar como melhor atriz de série dramática nesta mesma premiação. O Critic’s Choice Award seguiu processo semelhante de inclusão em suas indicações, mesmo que o resultado dos ganhadores tenha sido diferente do Globo de Ouro. O SAG Awardstem entre as indicações de atores negros em diversas categorias a serem anunciadas no próximo dia 30 de janeiro. A questão é que o Oscar 2016 vai de encontro com a tendência de outras premiações importantes para Hollywood, ignorando boas produções e bons atores que estão em filmes indicados em outros prêmios.
Sim, eu sei que as outras premiações juntaram as categorias de televisão e cinema nas cerimônias, o que não acontece no caso do Oscar. Mas ainda assim existe sim produção de cinema em Hollywood que foram indicados nas outras premiações. A diferença de formato entre o Oscar e as outras premiações não isenta a Academia de parar de ignorar produções protagonizadas por negros e latinos, ou indicar filmes dirigidos, montados ou produzidos por mulheres. Não há justificativa no cenário do entretenimento e da industria cinematográfica para a lista tão pouco representativa apresentada pela Academia.
É preciso lembrar do discurso da Viola Davis ao ganha o Emmy em 2015.
E deixe-me dizer uma coisa, a única coisa que separa as mulheres negras de qualquer outra pessoa é oportunidade. Você não pode ganhar um Emmy por papéis que simplesmente não existem.
Porém, não adianta apenas existirem os papéis se as produções forem ignoradas e escanteadas pelas premiações, não é mesmo?
Acesse no site de origem: Sem negros, Oscar 2016 vai na contramão de outras premiações nos EUA, por Luka Franca (Carta Capital, 19/01/2016)