Declaração foi referência a depoimento de testemunha com mentiras a CPMI das Fake News
(Folha de S.Paulo, 09/03/2020 – acesse no site de origem)
A repórter Patrícia Campos Mello, da Folha, apresentou à Justiça uma ação com pedido de indenização por danos morais contra o presidente Jair Bolsonaro. O motivo é o ataque a ela com ofensa de cunho sexual e a reprodução do insulto em rede social dele.
Também em decorrência de ataques de conotação sexual, os advogados de Patrícia iniciaram processos cíveis contra Hans River do Rio Nascimento, ex-funcionário de uma agência de disparos de mensagens em massa, e Allan dos Santos, apresentador do canal online Terça Livre.
O ponto de partida da ofensiva contra a repórter foram as declarações feitas por Hans à CPMI das Fake News, no Congresso, em 11 de fevereiro.
Hans trabalhou para a Yacows, empresa especializada em marketing digital, durante a campanha eleitoral de 2018.
Em dezembro daquele ano, reportagem da Folha baseada em documentos da Justiça e em relatos de Hans mostrou que uma rede de empresas, entre elas a Yacows, recorreu ao uso fraudulento de nomes e CPFs de idosos para registrar chips de celular e assim conseguir o disparo de lotes de mensagens em benefício de políticos.
Em seu depoimento no Congresso, além de dar informações falsas à CPMI, Hans insultou Patrícia, uma das autoras dessa reportagem.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Bolsonaro, aproveitou a fala de Hans para difundir as ofensas e fazer insinuações contra a repórter da Folha, tanto no Congresso como em suas redes sociais.
“Eu não duvido que a senhora Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha, possa ter se insinuado sexualmente, como disse o senhor Hans, em troca de informações para tentar prejudicar a campanha do presidente Jair Bolsonaro. Ou seja, é o que a Dilma Rousseff falava: fazer o diabo pelo poder”, disse Eduardo.
Uma semana depois, foi a vez de Bolsonaro invocar a fala de Hans e ofender a jornalista com insinuação sexual.
“Ela [repórter] queria um furo. Ela queria dar o furo [risos dele e dos demais]”, disse o presidente, em entrevista diante de um grupo de simpatizantes em frente ao Palácio da Alvorada. Após uma pausa durante os risos, Bolsonaro concluiu: “A qualquer preço contra mim”.
“No rastro dessa difusão de ofensas e mentiras, o presidente da República, em mais um ato em que desconsidera completamente a liturgia do cargo que ocupa, assumiu para si o discurso ofensivo, desrespeitoso e machista contra Patrícia na sua matinal entrevista em frente ao Palácio da Alvorada”, alega a defesa da repórter da Folha.
“Os danos sofridos por Patrícia são gravíssimos, podendo ser facilmente constatados diante do assédio sem precedentes sofrido por ela após a manifestação do presidente”, diz outro trecho da ação.
Os advogados de Patrícia afirmam que “os danos morais, no caso em tela, além de servirem como reparação pela ofensa à honra e dignidade da autora, também devem possuir um caráter punitivo pedagógico, com o intuito de desestimular a conduta indevida do réu e de terceiros, sabendo que terão de responder pelos danos causados”.
Na ação civil específica contra o ex-funcionário da Yacows, a defesa da jornalista afirma que “o réu [Hans] se vale de evidente injúria sexual, de cunho machista, na tentativa de desmerecer a autora, o que tem efeitos sociais graves para além dos danos individuais, e merece dura reprimenda”.
A terceira ação cível de reparação por danos morais foi apresentada contra Allan dos Santos, apresentador do programa Terça Livre, no Youtube.
Segundo a petição inicial do processo, edição do Terça Livre veiculada em 12 de fevereiro teve como título “O Prostíbulo em Desespero” e propagou novas informações falsas sobre o episódio envolvendo Hans.
Ante o fato de Patrícia ter apresentado em reportagem as mensagens trocadas com Hans, autenticadas por meio de ata notarial, que desmentiam a versão dada por ele na CPMI, “o réu [Allan] mentiu ao afirmar que as mensagens trocadas entre Patrícia e Hans River foram ‘forjadas’ e ‘um golpe'”, alega a defesa de Patrícia.
O texto da petição relata que Allan passou a incentivar seus seguidores a publicarem montagens e imagens sobre o tema, e traz a reprodução de um post dele no Twitter com os dizeres: “Não deixe o meme morrer, não deixe o meme acabar. O morro foi feito de meme, o meme que faz a gente zoar. Continue com os memes hoje, por favor”.
Os três processos cíveis, que contam com o suporte da Folha, têm como fundamento legal o artigo 186 do Código Civil, que enquadra como ilícitos os atos daqueles que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violarem direito e causarem dano a outras pessoas, ainda que exclusivamente moral.
Nas causas cíveis contra Bolsonaro e Hans, o valor pedido de indenização é de R$ 50 mil. Na demanda relativa a Allan também é indicada como ré a pessoa jurídica Terça Livre, e o montante do ressarcimento requerido é de R$ 100 mil.
Os processos estão tramitando na Justiça estadual de São Paulo.
Nas petições iniciais, Patrícia se compromete a doar metade das indenizações que eventualmente receber ao Instituto Patrícia Galvão de Comunicação e Mídia, que atua na defesa dos direitos das mulheres.
Segundo a advogada Taís Gasparian, integrante da defesa de Patrícia, “uma semana depois de a Folha de S.Paulo ter desmentido Hans, apresentando provas de que o que disse era mentira, o presidente da República dá uma entrevista e reafirma a ofensa, em tom de zombaria”.
“Não satisfeito em propagar uma mentira, o presidente ainda posta o vídeo da entrevista na sua página do Facebook, que obviamente possui repercussão nacional e internacional.”
“A indicação de que a jornalista teria oferecido sexo como modo de facilitar sua atividade profissional é infame e muito grave. Hans, Allan dos Santos e o presidente da República ofenderam não apenas a jornalista, mas todas as mulheres, tocando em um ponto muito sensível à sociedade brasileira, que é a violência contra a mulher”, afirma Taís.