Sedes atraem prostitutas adolescentes

01 de junho, 2014

(Folha de S.Paulo, 01/06/2014) No interior do Ceará, a adolescente Paula (nome fictício), 16, planeja-se para a Copa do Mundo. Diz que passará 15 dias em Fortaleza para fazer programas sexuais.

À Folha, na zona rural de Quixadá, ela relata as viagens periódicas e “secretas” à capital do Estado –“meus pais não sabem”– e que cada programa custa cerca de R$ 60.

No Mundial, diz, um agenciador a levará a Fortaleza e cuidará da hospedagem. Em troca, ele receberá de R$ 15 a R$ 20 por cada programas. “Acaba sendo um trato.”

Paula está a 1.823 km de Brasília, onde, na semana retrasada, ao lado de Xuxa, a presidente Dilma sancionou a lei que torna crime hediondo a exploração sexual de crianças e adolescentes.

A cearense Paula, que largou os estudos no 1º ano do ensino médio e atualmente faz bicos como babá, nunca ouviu falar dessa nova lei.

“A gente acaba não sabendo dessas coisas”, diz.

Desconhecida de Paula, a lei torna esse crime inafiançável, e quem for condenado terá que cumprir um período maior no regime fechado para poder pleitear a progressão da pena, que é de quatro a dez anos de reclusão.

A assinatura da lei ocorreu na quarta (21). Cinco dias depois, na segunda (26), a Folha encontrou adolescentes à espera de programas no bairro turístico da praia de Iracema, em Fortaleza.

Com saias de pano, shorts apertados e blusas que mostravam a barriga, pediamalgumas com bastante maquiagem, elas cobravam deentre R$ 80 ae R$ 100 pelo programa.

Ana (também fictício, assim como os demais citados nesta reportagem) mostrou uma identidade falsa, como se tivesse 24 anos. “Nunca lembro minha idade direito.”

Ao lado de Ana, Marta se apresentou como conterrânea de Paula, de Quixadá (a 167 km de Fortaleza). “Vim para ganhar dinheiro na Copa.”

REALIDADES IGUAIS

As realidades dessas três meninas cearenses se confundem com as de Jéssica, 16, Rafael, 16, e Cristina, 17, de Pernambuco, e as de Bruna, 16, e Carla, 17, no Amazonas.

No Recife, também na semana passada, a Folha encontrou Jéssica em meio a uma forte chuva. Encolhida, tossindo e tremendo de frio, aguardava algum carro que rendesse um novo programa.

Ela era a única naquela noite na beira do manguezal em Santo Amaro, no centro.

Eram 21h30, e ela já estava no local desde o meio-dia. Não fazia ideia de quantos programas havia feito naquele dia nem quanto havia lucrado. Nem tinha mais dinheiro, gasto todo com crack.

“Até queria parar porque essa vida é muito difícil, os homens batem na gente, dizem que vão matar a gente. Mas o vício é grande”, diz.

Frágil, doente e drogada, ela não tem muitas expectativas com a Copa do Mundo, ao contrário de Rafael, 16.

“Vou para a boate porque dá mais turista”, diz o adolescente, que começou a se prostituir aos 14 anos e faz ponto na periferia do Recife.

A proximidade da Copa também anima a travesti Cristina, 17, que se prostitui desde os 13 e, no Mundial, promete elevar o preço do programa de R$ 100 para R$ 300 a hora no Recife. “Só vou pegar as maricóns’ gringas e finas. Vai ser um arraso.”

DINHEIRO FÁCIL

No outro extremo do país, em Manaus, a reportagem conversou com Bruna, 16: saia curta, blusa decotada, rosto e corpo de criança.

“Já fazia uma semana que eu e minha irmã de dois anos mal tínhamos o que comer. Uma amiga me contou onde conseguir dinheiro fácil.”

Ela também sustenta o vício de crack e óxi e cobra R$ 40 por meia hora de programa. “Meu pai falava que nem pra puta eu servia. Perdi a vontade de ser alguma coisa na vida”, diz a adolescente, que sonha ser veterinária.

Para a garota, a Copa é apenas uma chance de faturar um dinheiro a mais.

“Ainda não sei se vai ser bom ou ruim. Não queria ficar nessa vida, mas não tem outro jeito. Tenho que continuar.”

Numa outra esquina de Manaus, Carla, 17, conta com os estrangeiros do Mundial. “Falaram que vão chegar uns turistas com dinheiro, americano, inglês, e que a gente vai se dar bem na Copa”, afirma.

Exploração sexual infantil e crime hediondo são termos que ela desconhece. “Tenho medo é de engravidar. Sei que o que eu faço não é certo, mas o que mais eu posso fazer?”

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