Violência contra as mulheres é ‘pandemia global’, diz secretário-geral da ONU António Guterres

20 de novembro, 2018

Em evento na sede da ONU, em Nova Iorque, o secretário-geral António Guterres afirmou na segunda-feira (19) que o mundo só vai se orgulhar de ser “justo e igualitário” quando as mulheres puderem viver livres do medo e da insegurança cotidiana.

Em evento na sede da ONU, em Nova Iorque, o secretário-geral António Guterres afirmou na segunda-feira (19) que o mundo só vai se orgulhar de ser “justo e igualitário” quando as mulheres puderem viver livres do medo e da insegurança cotidiana. Chefe da Organização condenou a violência de gênero, descrita pelo dirigente como “uma pandemia global”.

“É uma afronta moral a todas as mulheres e meninas, e a todos nós, uma marca vergonhosa em todas as nossas sociedades”, criticou Guterres em encontro de ativistas e especialistas para marcar o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher. A data é lembrada em 25 de novembro.

“No seu âmago, a violência contra as mulheres e meninas, em todas as suas formas, é a manifestação de uma profunda falta de respeito, o fracasso dos homens em reconhecer a igualdade e a dignidade inerentes às mulheres. É um problema de direitos humanos fundamentais”, completou o secretário-geral.

A autoridade máxima das Nações Unidas lembrou que violações motivadas por questões de gênero podem assumir diferentes faces: violência doméstica, tráfico de pessoas, violência sexual em situações de conflito, casamento infantil, mutilação genital e feminicídio.

“Essa também é uma questão profundamente política. A violência contra as mulheres está ligada a questões mais amplas de poder e controle nas nossas sociedades. Vivemos num mundo dominado pelos homens. As mulheres se tornam vulneráveis à violência por meio das múltiplas maneiras pelas quais nós as mantemos em (condições de) desigualdade”, ressaltou Guterres.

O chefe da ONU acrescentou que “quando as instituições deixam de acreditar nas vítimas, permitem a impunidade ou deixam de implementar políticas de proteção, elas enviam uma mensagem bem forte de que toleram e permitem a violência”.

Também presente no encontro em Nova Iorque, a presidenta da Assembleia Geral das Nações Unidas, Maria Fernanda Espinosa, alertou que 35% das mulheres em todo o mundo já sofreram algum tipo de violência física ou sexual. Em 38% dos homicídios de mulheres, o assassino é um parceiro íntimo da vítima.

“É um triste reflexo em todas as comunidades, países e nas Nações Unidas de que o mundo ainda está longe de alcançar a meta de acabar com a violência contra mulheres e meninas”, lamentou a dirigente.

ONU lança campanha #MeEscuteTambém em apoio às vítimas de violência

O encontro na ONU marcou o lançamento da campanha anual 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres. As ações de conscientização têm início normalmente no 25 de novembro e seguem até 10 de dezembro, Dia dos Direitos Humanos. Em 2018, a iniciativa tem como tema o apelo #HearMeToo ou #MeEscuteTambém, na tradução em português. A proposta das Nações Unidas é expressar apoio às milhares de vítimas de assédio sexual e outros tipos de abuso, muitas das quais vieram a público ao longo do ano passado para denunciar agressões.

“É um chamado para ouvir e acreditar nas sobreviventes, colocar fim à cultura de silêncio e que a nossa resposta tenha como foco as sobreviventes. Deve-se deixar de questionar a credibilidade da vítima. Em vez disso, deve-se centrar na prestação de contas do agressor”, explicou a diretora-executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, no evento em Nova Iorque.

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Segundo a dirigente, a estratégia de mobilização visa honrar e amplificar as vozes das pessoas – da dona de casa, no seu lar, a uma aluna que sofre abuso do seu professor, de uma secretária de escritório a uma atleta ou uma estagiária em uma empresa.

A campanha #MeEscuteTambém vai na esteira de movimentos globais recentes, como o #MeToo (#EuTambém), #NiUnaMenos, #TimesUp e #BalanceTonPorc.

Ao trazerem à tona casos generalizados e ocultos de violência de gênero, essas manifestações “reverteram o isolamento em sororidade mundial”, disse a chefe da ONU Mulheres.

“Graças a essas ações, estão sendo exigidas as responsabilidades dos agressores e se expõe a prevalência da violência num espectro que envolve desde a alta direção até o chão da fábrica.”

Mlambo-Ngcuka explicou que a verdadeira proporção da violência de gênero é desconhecida porque o medo de represálias, os efeitos da desconfiança e o estigma associado às vítimas “silenciaram as vozes de milhões de sobreviventes”. O resultado é a distorção da real dimensão do “contínuo horror” que as mulheres sofrem.

“Aquelas pessoas que se manifestaram nos ajudaram a entender melhor como o assédio sexual tem sido normalizado e até mesmo justificado como uma parte inevitável da vida de uma mulher. A sua generalização, mesmo dentro do Sistema das Nações Unidas, contribuiu para que seja percebido como um problema menor, que pode ser passado por cima ou até mesmo tolerado. Assim, apenas os casos mais atrozes têm tido o esforço para empreender o árduo caminho da denúncia. É um círculo vicioso que deve terminar”, avaliou a dirigente.

A chefe da ONU Mulheres pediu o fim da impunidade dos crimes cometidos contra as mulheres – o que envolve engajar instituições do Estado e também do setor privado.

“Poucos casos são relatados à polícia. Menos ainda são os casos com penalidades, dos quais somente alguns são de prisão. A polícia e as instituições judiciais devem levar muito a sério as denúncias e dar prioridade à segurança e ao bem-estar das sobreviventes, por exemplo, por meio de medidas inclusivas, como mais mulheres policiais para atender às denúncias de violência apresentadas pelas mulheres”, defendeu Mlambo-Ngcuka.

A dirigente também cobrou que as legislações reconheçam o assédio sexual como “uma forma de discriminação contra as mulheres e uma violação dos direitos humanos”. “Também quem oferece emprego, em todos os países, pode influenciar decisivamente a propor padrões de comportamento que promovem a igualdade de gênero e tolerância zero para qualquer tipo de abuso”, completou a oficial das Nações Unidas.

A ONU Mulheres está na linha de frente do combate a agressões motivadas por questões de gênero. Por meio do Fundo Fiduciário pelo Fim da Violência contra as Mulheres, a agência levou assistência a mais de 6 milhões de pessoas no ano passado.

O organismo também implementa o projeto Spotlight, um programa em parceria com a União Europeia que já angariou 500 milhões de euros para erradicar a violência contra as mulheres. Em nível nacional e local, a instituição promove boas práticas para garantir cidades e espaços públicos seguros. A ONU Mulheres também atua dentro das Nações Unidas para enfrentar o abuso sexual e de poder dentro da Organização.

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