(Jornal da USP, 09/05/2016) Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP reforça desigualdade de gênero como fator nos relacionamentos abusivos
De acordo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em estudo divulgado em 2013, mais de 35% das mulheres do mundo já experimentaram tanto violência física e/ou sexual partindo dos parceiros íntimos ou violência sexual de não-parceiros. Uma pesquisa na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP reforça que a relação e a sexualidade de um casal está diretamente ligada com desigualdade de gênero.
Em sua dissertação de mestrado, “A violência por parceiro íntimo na gestação e a vivência da sexualidade após a maternidade”, a enfermeira Letícia Doretto Aguiar entrevistou mulheres que citaram ter sofrido violência provocada pelo parceiro íntimo durante a gestação. Os depoimentos foram colhidos no Centro de Referência de Saúde da Mulher, Maternidade de Ribeirão Preto (CRSM-MATER). Diante da violência “as agredidas mudam sua relação com seus respectivos parceiros, chegando a abalar a sexualidade do casal”, conta a pesquisadora.
Participaram da pesquisa dez mulheres, com idade entre 19 e 41 anos. Todas sofreram violência psicológica, duas foram violentadas fisicamente, e uma sofreu violência sexual. Durante as entrevistas surgiram diversos temas que permeiam a convivência após o parto, como a maternidade, o mercado de trabalho, o relacionamento do casal, a sexualidade, a autoimagem e a violência do parceiro após o parto.
A partir dos relatos foi possível identificar uma grande preocupação em satisfazer os desejos dos maridos, mesmo quando contra a vontade das entrevistadas. “Para elas, não fazer isso é estar entregando o seu parceiro para outro relacionamento”, revela a especialista. “O fato de a mulher não estar disponível para o sexo é descrito com episódios de violência e ameaças vindas do parceiro”.
Na pesquisa, nenhuma entrevistada reconheceu os episódios de violência quando não eram físicos. “Elas enxergaram a violência psicológica como brincadeiras de mal gosto diante do corpo modificado após o parto; e violência sexual como desejos mais exacerbados pelo ‘instinto do homem’, ficando sem espaço para conversar com seus parceiros sobre sua sexualidade e deixando de exercer o seu direito sobre o próprio corpo para vivenciar a sexualidade de modo saudável e seguro”, relata.
Sexualidade e violência: tabus
A maternidade, conforme a pesquisadora, é uma fase que traz modificações na vida do casal, já que pode envolver mudança corporal e emocional. Para as entrevistadas, existe a crença de que o perfil violento do parceiro poderia ser modificado com a paternidade, ou seja, com a chegada de um filho idealizado pelo homem. “A chegada do bebê, exige toda a atenção da mãe, principal responsável pelos cuidados com os recém-nascidos. Para elas, o papel do pai é ser carinhoso com a mulher e com os filhos, mas, na maioria dos casos não aconteceu dessa forma”, afirma.
Entretanto, de acordo com Letícia, frente às expectativas frustradas, as mudanças corporais e os papéis sociais exercidos pelas mulheres, enquanto mães e cuidadoras do lar e dos filhos, as entrevistadas não encontram espaço para expor e discutir suas dúvidas sobre sexualidade e as dificuldades que podem surgir neste período. “A sexualidade ainda é um tabu, assim como a violência dentro do próprio lar”, relata ela.
Para a pesquisadora “não podemos negar todo o histórico de desigualdade entre os sexos, fincando as mulheres em desvantagem, inclusive diante de sua própria sexualidade”, relata. A pesquisa revelou também que, após o parto, a vida do casal muda ainda mais, pois além do histórico de violência, a chegada da criança é apontada pelas mães como mais um motivo de brigas, que dão continuidade às agressões. As ameaças, muitas vezes, envolvem os próprios recém-nascidos.
“Eles usam da fragilidade da criança, para determinar que cabe a mulher os cuidados com os filhos. Usam o bebê como um pretexto para iniciar as discussões, como por exemplo quando o bebê fica chorando sem parar, ameaçando bater na criança, e jogando a culpa na mãe pelo filho estar chorando, apontando que ela não sabe cuidar”, explica a enfermeira.
Cuidados com as vítimas
Apesar de receber orientações ainda na maternidade para aguardar 40 dias antes de retomar relações sexuais, muitas acabam cedendo aos desejos do parceiro. Segundo Letícia, “para acabar com a violência é preciso cuidado diferenciado para essas mulheres. Dar espaço e permitir que elas se sintam seguras para falar do assunto. O principal é fazer com que elas reconheçam que estão sendo violentadas”.
Falar sobre assunto é um dos caminhos para o empoderamento das mulheres. “Educação e saúde devem caminhar juntas. Desde cedo as crianças precisam aprender que meninos e meninas podem e devem conviver em relacionamentos respeitosos”, conclui a pesquisadora.
A dissertação foi defendida em setembro de 2015, sob a orientação da professora Juliana Stefanello, da EERP.
Com informações da Assessoria de Comunicação da EERP
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