A violência pela via indireta em litígios com incidência da Lei Maria da Penha, por Maria Luiza Cabral e Ione Campêlo

19 de agosto, 2024 Migalhas Por Maria Luiza Cabral e Ione Campêlo

Como agressores revitimizam a mulher por meio dos filhos, funcionários e em seu ciclo social.

A Lei Maria da Penha, que neste mês completa 18 anos, foi um marco na proteção das mulheres contra a violência doméstica e familiar, estabelecendo mecanismos legais para coibir e prevenir agressões físicas, psicológicas e outras formas de abuso. No entanto, a aplicação dessas medidas, especialmente as protetivas de urgência, trouxe à tona uma nova faceta da violência doméstica: a violência indireta.

Essa forma de violência se manifesta quando o agressor, ao ser impedido de continuar a violência direta contra a vítima, busca formas alternativas de controle e manipulação, utilizando filhos, outros familiares, funcionários e o círculo social da mulher para continuar o ciclo de abuso. A violência interrompida antes de deixar marcas físicas muitas vezes abre espaço para que o agressor adote novas estratégias de perseguição e manipulação.

Após o deferimento das medidas protetivas de urgência, não é raro que esse instrumento, criado para proteger, se torne uma moeda de troca nas mãos de homens que insistem em controlar e manipular a mulher. Por meio de cobranças excessivas relativas à criação dos filhos, exposição dos filhos ao conflito, queixas sobre as dificuldades logísticas causadas pelas medidas protetivas, manipulação de babás e outros funcionários – muitas vezes utilizando comportamentos ameaçadores que exploram a relação de subordinação – e campanhas de difamação, os agressores buscam responsabilizar a mulher pelas violências que ela sofreu.

O autor da violência externaliza a culpabilização da vítima, que decidiu buscar ajuda, ao mesmo tempo em que minimiza as agressões que ele mesmo praticou. Nesse contexto, ele força o reconhecimento de sua própria vitimização e pressiona a vítima a revogar ou flexibilizar as medidas protetivas de urgência vigentes.

A pressão para “encerrar” os litígios não se restringe ao ambiente judicial, mas se estende ao círculo social e familiar da mulher. A vítima, já emocionalmente sobrecarregada, é frequentemente criticada por não ser considerada uma “boa mãe” por buscar medidas protetivas contra o pai de seus filhos, ou por não ser uma “boa dona de casa” ao delegar atividades a babás que se tornam alvo de violência. Além disso, a mulher também é vista de forma negativa por amigos e parentes, que a acusam de destruir a idealização social do relacionamento conjugal que possuía.

A assimetria de gênero é evidente. A mulher que busca proteger seus direitos é transformada em vilã, pois expõe o ciclo de violência doméstica que estava vivendo. Como mãe, ela enfrenta a ameaça de que insistir em medidas protetivas pode prejudicar a guarda ou o convívio com seus filhos, já que o agressor reforça as “dificuldades” impostas por essas medidas e promove acusações de alienação parental nos processos de família. Em muitos dos casos, o melhor interesse da criança ou adolescente é deixado de lado em favor dos desejos do agressor.

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