Crescimento de conteúdos misóginos no YouTube acompanha aumento da violência contra a mulher no Brasil

16 de dezembro, 2024 Brasil de Fato Por Leonardo Fernandes

Pesquisa inédita revela como influenciadores lucram com conteúdos de ódio às mulheres na plataforma de vídeos da Google

O Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero nas Plataformas Digitais, criado por uma parceria entre o NetLab-UFRJ e o Ministério das Mulheres, divulgou, nesta sexta-feira (13), uma pesquisa inédita que sobre discursos misóginos em canais do YouTube no Brasil.

Em coletiva de imprensa em Brasília, a ministra da pasta, Cida Gonçalves, destacou a importância das informações colhidas no estudo para a elaboração de políticas públicas para coibir os conteúdos de caráter misógino, e defendeu a tipificação do crime de ódio contra as mulheres.

“A gente tem que começar, a partir desses dados, um aprofundamento e, na minha avaliação, sobre a tipificação, porque é a melhor forma que nós temos de coibir”, defendeu. “Até agora, a gente não tinha os dados, você não faz política pública sem dados, sem informação e sem pesquisa. Então agora nós temos um dado que pode fazer com que, no mínimo, a gente faça um debate nacional sobre essas questões”, declarou Gonçalves.

O relatório Aprenda a evitar ‘este tipo’’de mulher: estratégias discursivas e monetização da misoginia no YouTube analisou 76,3 mil vídeos de uma rede de influenciadores e comunidades digitais da chamada “machosfera”, que chegou ao número de 137 canais com conteúdos explicitamente misógino, com uma média de 152 mil inscritos em cada um deles. De acordo com o estudo, os vídeos analisados somam 3,9 bilhões de visualizações e 23 milhões de comentários.

Segundo o relatório, 88% dos vídeos foram publicados nos últimos três anos, demonstrando uma tendência de crescimento desse tipo de conteúdo, que são direcionados, sobretudo, às militantes feministas, mães solteiras e mulheres com mais de 30 anos. O tema “desprezo às mulheres e insurgência masculina” foi o mais recorrente, presente em 42% dos títulos dos vídeos analisados.

Presente na apresentação dos dados, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, se disse impactada, ao mesmo que celebrou a realização do estudo. Segundo ela, o material dá subsídios para que políticas públicas possam ser pensadas para enfrentar essa realidade.

“Eu estou impactada, em choque, porque uma coisa é a gente lidar com isso no nosso dia a dia, sem ter a dimensão do tamanho, da profundidade desses dados e dessa crueldade. Parabéns pelo trabalho e eu encerro dizendo da importância da coleta de dados e do letramento. Quando a gente fala de letramento, não estou falando só do letramento racial que a gente fala tanto, mas o letrar de dados. Olha como que ter acesso a dados e a informação podem mudar as coisas”, disse a ministra.

Eles lucram com o ódio às mulheres

Além de propagar o ódio às mulheres e sua subjugação à superioridade masculina, o estudo identificou que 80% dos canais misóginos utilizam estratégias de monetização “como anúncios, Super Chat, doações e vendas de produtos”. De acordo com as informações obtidas 52% dos canais misóginos possuem pelo menos um vídeo com anúncio, e oito deles somaram R$ 68 mil em arrecadações de 257 transmissões em Super Chat. Outros 28% dos canais disponibilizam links para plataformas de financiamento coletivo.

Ainda segundo o relatório, há anúncios de consultoria individuais para o “desenvolvimento pessoal masculino” em que alguns desses influenciadores cobram até R$ 1 mil por esse serviço.

Marie Santini, fundadora e coordenadora do NetLab-UFRJ, destacou a imoralidade do mercado criado a partir da monetização desses conteúdos. “O que eu acho que é importante e que a gente está vendo aqui, que eu acho que é grave, é a misoginia se tornar um mercado, a misoginia se tornar um negócio, é ganhar dinheiro com isso. E isso que eu acho que é o ponto principal que a gente está colocando aqui”, declarou a pesquisadora, que criticou o acesso a informações e dados para pesquisa no Brasil.

“O primeiro ponto é que nós temos pouco acesso a dados. O segundo ponto é que as plataformas dizem nos seus termos de uso que não permitem esse tipo de conteúdo, mas, na prática, a gente está vendo que esses conteúdos florescem, e não só florescem, como são monetizados”, destacou Santini.

Segundo o ministério, “o objetivo da pesquisa é traçar um panorama do ecossistema misógino na plataforma, de modo a contribuir com as políticas públicas de combate ao ódio e à violência de gênero na internet e fora dela”.

Embora o relatório não correlacione diretamente a circulação dos discursos misóginos e o aumento da violência contra as mulheres, o Ministério da Mulher destaca que nos últimos três anos se observa um crescimento da quantidade de vídeos com conteúdo misógino e também um aumento de quase 10% dos registros de mortes em função de gênero. Os feminicídios saltaram de 1.347 em 2021 para 1.463 em 2024.

Diante dos dados, a ministra Cida Gonçalves se comprometeu em intensificar o debate internamente no governo, bem como os demais poderes da República, no sentido de garantir uma maior regulação dos conteúdos disponibilizados pelas plataformas digitais. “Pretendemos fazer um diálogo com o parlamento, fortalecer o debate que está tendo no STF para a questão do da regulamentação. Nós precisamos regular ao máximo o discurso de ódio. E, por outro lado, nós também precisamos fazer um debate com a sociedade brasileira, nós precisamos fazer com que outros atores que não estão no debate do enfrentamento da violência contra as mulheres, não estão enfrentando a misoginia, ou nem percebe o que está acontecendo, estejam do nosso lado”, afirmou.

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