O que a violência sexual infantil online e presencial têm em comum?, por Luciana Temer

Criança mexendo no celular. Foto: Freepik

Foto: Freepik

19 de maio, 2025 Folha de S. Paulo Por Luciana Temer

Ambas acontecem, em sua maioria, dentro de casa; o criminoso é alguém em quem a criança ou o adolescente confia; a vítima sente culpa e vergonha

O último domingo (18) foi o Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, uma realidade que a sociedade conhece — mas finge que não existe — há muito anos.

Nos últimos tempos, esses crimes têm vindo à tona com mais força e frequência em todas as mídias. Por quê? Porque agora eles existem de forma online. Sim, a Justiça brasileira já reconheceu a existência de estupro virtual, e os números dessa violência vem crescendo assustadoramente desde a pandemia.

Nestas breves linhas pretendo demonstrar que, apesar de a violência presencial e virtual parecerem muito diferentes, elas têm um núcleo comum muito parecido —e que, portanto, podem e devem ser enfrentados da mesma maneira.

Para tanto, vou destacar três características desses crimes. A primeira é que eles acontecem, em sua maioria, dentro de casa. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que mais de 60% dos estupros de menores de 13 anos ocorrem nas suas residências. Da mesma forma, a extorsão sexual online, que a depender da sua característica pode configurar estupro ou exploração, acontece quando as vítimas estão na privacidade de seus quartos. Sim, isso mesmo, onde acreditamos que estão seguros.

A segunda é sobre o fato de o perpetrador dessas violências ser alguém em quem a vítima confia. No caso do estupro presencial, em mais de 80% dos casos registrados o criminoso era um familiar ou pessoa muito próxima; logo, alguém de confiança. Já na maioria dos registros de violência online, a criança ou o adolescente nunca esteve fisicamente com seu agressor, mas, antes de a chantagem começar, acreditava ser alguém que conhecia e em quem podia confiar. Confiar em alguém que ela não conhece? Que nunca viu? Sim! Temos que lembrar que crianças e adolescentes que nasceram na era das mídias sociais vivem igualmente nos dois mundos, diferentemente de nós, adultos, que ainda conseguimos diferenciá-los (infelizmente, alguns não mais…).

Uma terceira característica é a culpa e vergonha que, frequentemente, as vítimas têm com o que está acontecendo ou aconteceu. Explico. Alguns desses crimes ocorrem de forma violenta, às vezes extremamente violenta, mas grande parte deles não se inicia com violência, mas a partir de processos de confiança e sedução. Uso a palavra “sedução” aqui em seu sentido mais amplo, como uma ação de aproximação e conquista. Por essa razão, a vítima se sente culpada. Nos abusos presenciais não é raro ela ser tão inocente que não entende o que está vivendo, só vindo a ter consciência muito tempo depois.

Sempre insisto que o que é óbvio para um adulto não é óbvio para uma criança e, para dar concretude a isso que estou dizendo, convido vocês a assistirem a um vídeo no YouTube no qual a apresentadora americana Oprah Winfrey entrevista abusadores em uma prisão.

Já no caso das violências sexuais online, o que dá ensejo ao início da chantagem é, normalmente, uma foto na qual a menina ou menino se expõe. Uma foto que a vítima mandou, voluntariamente, acreditando estar em uma relação de confiança. E aí começa o processo de extorsão, cada vez mais grave e deixando a vítima mais comprometida. Em ambos os casos, presencial ou virtual, ela sente que de alguma forma “participou” do processo de violência que sofreu. Esse sentimento é, em grande medida, responsável pelo silêncio e, consequentemente, pela perpetuação dessas violências. Porque o silêncio é amigo do abusador.

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