Se a violência sexual também atinge os meninos, por que não vemos tantos homens no combate ao abuso e exploração sexual?, por Elânia Francisca e Daniela Barbosa

20 de maio, 2025 Periferia em Movimento Por Elânia Francisca e Daniela Barbosa

Na semana do 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, a psicóloga Elânia Francisca e a assistente social Daniela Barbosa abordam como o machismo invisibiliza e perpetua violências contra meninos. Confira o artigo!

Este poderia ser um texto escrito pelos homens que compõem a Rede de Enfrentamento. Contudo somos nós, as mulheres, que estamos escrevendo. E isso se dá pelo fato de que, desde sua fundação em 2009, a Rede contou apenas com a presença contínua de um homem.

Vamos começar do começo?

A Rede de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes da Capela do Socorro e Parelheiros – ou simplesmente, a Rede – nasceu em 2009 e tem como objetivo realizar ações de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes no Extremo Sul da cidade de São Paulo.

Em quase 16 anos de existência da nossa Rede, já realizamos diversas ações, simpósios e formações para profissionais da rede socioassistencial e intersetorial, bem como oficinas lúdicas para crianças e adolescentes acerca da temática do desenvolvimento sexual saudável e sem violência, sempre evidenciando a importância da educação em sexualidade como direito.

Entendemos que é importante que meninas e meninos conheçam e entendam as transformações que seus corpos passarão, que entendem o que é consentimento, o que é um toque de carinho e um toque abusivo, para que tenham autonomia no que diz respeito ao próprio corpo e a capacidade de pedir ajuda, quando necessário.

Tanto com o público infantojuvenil, quanto com pessoas adultas, sempre pontuamos a diferença entre abuso e exploração sexual. No primeiro, pode haver ou não, contato físico e geralmente é praticado por alguém que a crianças ou adolescente conhece e tem confiança.

Já na exploração sexual, existe algum tipo de troca estabelecida pela pessoa autora da violência. Essa troca não necessariamente é financeira, podendo ser também marcada pelo ganho de objetos de valor (celulares, roupas, móveis, etc), alimentação, passeios ou outros elementos de troca.

Como dito inicialmente, nossa Rede é composta quase que exclusivamente por mulheres adultas cisgênero, trabalhadoras de serviços da Assistência Social e Saúde e de coletivos culturais e socioedutivos.

Nossa presença na construção das ações da Rede é muito potente e reconhecemos isso. Contudo, temos limitações quando se trata de dialogar com os meninos sobre Educação Sexual e a sensibilização para a denúncia e combate às violências sexuais.

A “invisibilidade” da violência

Os casos de violências sexuais contra meninos ainda são um ponto de desafio para a Rede. Isso porque o machismo cria, no imaginário social, a ideia de que um menino que sofre algum tipo de abuso sexual por parte de homens adultos se tornaria “menos homem” que os outros, ou ainda que o menino deveria gostar de ser assediado (e, consequentemente, violentado) por mulheres adultas.

A violência sexual contra meninos ainda é pouco discutida. No entanto, vem crescendo em números alarmantes. No ano passado, o Ministério da Saúde divulgou os dados nas quais os mais de 203 mil casos registados de 2015 a 2021, o equivalente a 13,6% deles havia sido de crianças, adolescentes e jovens do sexo masculino dentro da faixa etária dos 0 aos 19 anos.

Acreditamos que esses números sejam ainda maiores levando em consideração que os casos de violência sexual contra meninos são notifificados apenas quando a violência deixa marcas físicas evidentes, além de fatores limitantes que dificultam identificar a violência – como estarmos inseridos em uma sociedade patriarcal machista carregada de esteriótipos e papeis de genêros.

Além disso, há especificidades no universo da violência sexual contra meninos, como ser considerado pejorativamente homossexual por ter sofrido sentimentos ambíguos endossados pela própria sociedade ao sofrer a violência, o que o leva a acreditar e ter medo de que possa “virar gay”.

A mesma sociedade que ensina que meninos usam azul e não choram é a mesma que não percebe ou demora a entender esses meninos enquanto vítimas. E quando percebem, naturalizam a violência sexual.

Em nosso trabalho, percebemos que muitos meninos adolescentes ainda se constrangem diante da presença feminina quando se trata de apontar uma violência sexual sofrida. Ou contam sobre abusos sexuais sofridos como se fosse uma vantagem: “Eu já transei com uma mulher de 40 anos”, diz um menino de 15 anos durante a atividade.

Não cabe a nós investigar se esse menino está inventando uma história ou se está falando a verdade. O que nos cabe é compreender que ele sequer percebe que está relatando (verdadeiramente ou não) um caso de abuso sexual.

O diálogo dos meninos com homens adultos que tenham um posicionamento anti-machista e anti-patriarcal é necessário e urgente, mas cadê vocês, homens?

Falamos muito sobre a ausência paterna – e é importante que falemos -, mas existe uma cultura machista de ausência masculina que faz com que os homens (sejam eles pais ou não) se ausentam de qualquer espaço onde o protagonismo não é deles. É salutar quando esses homens se posicionam contra a ausência paterna, mas é importante que os homens também se posicionem no cuidado do “filho que não é dele”.

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