(Estadão.com, 28/04/2016) Durante o seminário “Mídia, Zika e direito das mulheres”, que aconteceu em São Paulo na semana passada, a antropóloga Débora Diniz, uma das maiores autoridades do país na temática de direitos reprodutivos, exibiu seu novo documentário intitulado “Zika”. O filme conta a história de cinco mulheres do estado da Paraíba que contraíram o zika vírus durante a gravidez e que,como consequência, tiveram problemas durante as gestações. Alguns de seus filhos não sobreviveram, outros vivem com a síndrome congênita do zika (que tem como um dos efeitos a microcefalia).
Devastador, o documentário explicita como a epidemia traz consigo uma enorme carga de sofrimento e incertezas para as mulheres e futuras mães.
Para essas mulheres, há muito mais perguntas do que respostas. Pesa no ombro delas a responsabilidade de se proteger da doença, sendo que a epidemia se alastra em regiões onde as condições de saneamento são precárias e as informações sobre a doença e como preveni-la são poucas e difusas. Em um problema social, a culpa se torna personalizada. As gravidezes são acompanhadas de incertezas. Os relatos dão conta também de que os exames de ultrassom passam a ser momentos de angústia e apreensão e podem desaguar em alívio ou em angústia ainda maior.
Essa situação tem impactos diretos no planejamento familiar das mulheres das regiões mais afetadas pelo zika vírus no país: pesquisas começam a mostrar que muitas mulheres têm medo de engravidar, mas o acesso a métodos contraceptivos, que deveria ser um direito, para elas é um privilégio. Depois de grávidas, é necessário redobrar os cuidados para que o filho nasça saudável e, caso isso não aconteça, mais uma vez recai sobre a mãe a responsabilidade posterior. Não raro são abandonadas pelos maridos ou param de trabalhar para cuidar de seus filhos (muitas vezes não planejados para aquele momento).
No cenário de zika vírus, em que os direitos reprodutivos são colocados em xeque, desponta ainda a batalha pela legalização do aborto. Embora complexa demais para ser resumida em poucas linhas, a luta pela expansão do direito ao aborto não tem a ver com eugenia ou com bebês indesejados por conta de suas limitações. Tem a ver com as mulheres poderem decidir sobre seu corpo e sua reprodução, o que independe de gravidezes saudáveis, de risco, de fetos afetados ou não pelo zika vírus.
Débora Diniz, a mesma que dirigiu o documentário “Zika”, escreveu um artigo brilhante para o The New York Times sobre a questão. Disse ela: “A epidemia de Zika deu ao Brasil uma oportunidade única de olhar para a desigualdade e os direitos reprodutivos e para mudar a forma como o país trata as mulheres. Pedir a elas que evitem ficar grávidas sem oferecer as informações necessárias, educação, contraceptivos ou acesso ao aborto não é uma política de saúde razoável. Direitos sexuais e reprodutivos para todas as mulheres, pobres ou ricas, devem ser levadas a sério”.
Não restam dúvidas de que os desafios são imensos perante uma epidemia devastadora. Ao mesmo tempo, com ela vem oportunidades para resolver problemas históricos do país, como os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e o acesso a tratamento de água e esgoto. Que isso não seja deixado de lado em um momento político de tanta instabilidade como o que vivemos agora.
Nana Soares, jornalista.
Acesse o site de origem: A epidemia de zika e seus impactos para as mulheres, por Blog Nana Soares (Estadão.com, 28/04/2016)