Violência obstétrica: a (des)humanização e a mercantilização da saúde

09 de outubro, 2015

(Adital, 09/10/2015) O Brasil vive uma “epidemia de cesáreas”, que, segundo o Ministério da Saúde, está associada à desinformação, a questões culturais e à formação dos próprios profissionais da saúde. A opção por esse tipo de parto tem dividido a classe médica e gerado dúvidas nas gestantes, que se veem submetidas às restrições dos planos de saúde e da agenda do obstetra. Em busca do empoderamento do próprio corpo, muitas dessas mulheres enfrentam uma longa trajetória até estabelecer uma relação de confiança com o médico e suas escolhas.

Os críticos ao parto humanizado, sobretudo do tipo domiciliar, dizem que a opção consiste em um ativismo radical, um preconceito ideológico, que nega os avanços da Medicina e põe em risco a vida da mãe e do bebê. Um segmento de médicos reclama que esse discurso, supostamente “humanizador”, resulta numa banalização do parto e não permite realizar intervenções necessárias, no tempo correto. Consideram-se “injustiçados” por uma corrente que apresenta um viés de “puro apelo sentimental”.

Os defensores de um parto mais natural afirmam que é importante o empoderamento da mulher e a busca por informações, para que ela realize suas escolhas, de forma consciente, e tenha poder sobre o próprio corpo. Defendem uma relação mais acolhedora entre médico, paciente e demais profissionais, e questionam procedimentos percebidos como “desnecessários e prejudiciais”. Criticam ainda que o parto não vem sendo percebido como um processo natural na vida das mulheres.

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Segundo a OMS [Organização Mundial de Saúde], a taxa de cesáreas devem corresponder a, no máximo, 15% do total dos partos no país. O Brasil é o líder mundial em cesáreas, com uma taxa de 57%, que continua aumentando 2% ao ano. (Foto: Reprodução)

Alinhada à corrente humanizadora, a Rede de Médicos e Médicas Populares se propõe a ser uma alternativa ao que consideram a ”mercantilização da saúde”.A proposta da Rede é fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), que estaria sendo continuamente ameaçado.

Em entrevista à Adital, Bruna Silveira, médica de família e de comunidade, também integrante da Rede de Médicos e Médicas Populares, enfatiza que não existe escolha sem informação. A médica explica os “mitos da cesárea”, o que caracteriza um parto humanizado e como proceder no caso de uma violência obstétrica. Segundo Bruna, as mulheres são constantemente desestimuladas a terem um parto normal, ocorrendo uma desumanização por todo o processo, incluindo as questões de precarização do trabalho dos profissionais.

Adital: Qual a visão da Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares sobre o parto no Brasil?

Bruna Silveira: Nós vivemos uma verdadeira epidemia de cesáreas, na qual o Brasil é o líder mundial. A OMS [Organização Mundial de Saúde] preconiza que as cesáreas devam corresponder a 15% do total dos partos, no máximo. Mas nós já atingimos a taxa de 57%. Estes dados revelam um processo muito violento de intervenção e medicalização do parto, baseado na suposta defectividade do corpo feminino e na incapacidade da mulher de parir de forma natural.

No caso do Brasil, é como se mais da metade das mulheres fossem incapazes de parir e precisassem, obrigatoriamente, da intervenção de um médico e de seus instrumentos. Tudo isso limita e poda a singularidade e a liberdade da mulher, além de sua autonomia de decisão e de controle sobre seu próprio corpo e parto.

Em outros países, como na Argentina, toda essa violência obstétrica é considerada crime, cometido contra as mulheres, que precisa ser combatido, prevenido, punido e erradicado.

Já sabemos que dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidos pela ONU [Organização das Nações Unidas], o Brasil só não cumprirá um: reduzir a mortalidade materna. Desde 1990, tivemos avanços na redução da mortalidade materna, mas ainda temos índices muito altos. E a OMS relaciona esses altos índices a dois fatores principais: a ilegalidade do aborto e a epidemia de cesáreas.

A Rede de Médicos e Médicas Populares surge para fazer um contraponto a essa ofensiva conservadora da categoria médica. A proposta da Rede é fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), público e gratuito, estruturado pela equidade, integralidade e universalidade, e a escolha informada (porque não existe escolha sem informação) sobre as questões da gravidez e do parto deve incluir todas as mulheres. Todas as mulheres devem ter o poder de decidirem aonde e como querem parir. E, para isso, se fazem necessárias novas políticas públicas de assistência ao parto – parto domiciliar, casas de parto, etc.

Adital: Como avalia as políticas públicas de atendimento a mulheres grávidas no Brasil? Houve avanços nos últimos anos?

BS: Certamente, houve avanços. Por exemplo, a transmissão vertical de Aids (transmissão de mãe para filho) caiu em 50% no Brasil e isto se deve ao avanço da assistência pré-natal. Segundo o relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a Rede Cegonha, implantada em 2011 pelo governo, tem melhorado a assistência às gestantes e aos recém-nascidos. Mas, por exemplo, o aumento dos números relacionados à sífilis congênita, de 1998 a 2013, mostra que os cuidados ainda precisam ser fortalecidos.

Com o Programa Mais Médicos, criado em 2013, já avançamos muito nessa assistência básica e os municípios apresentam dados de queda de mortalidade materno-infantil muito otimistas. Porém, ainda temos muito a avançar. Por exemplo, no que diz respeito à assistência às mulheres negras: as mulheres negras recebem menos tempo de atendimento médico que as mulheres brancas e são as maiores vítimas da mortalidade materna, no Brasil. Em relação ao parto, somente 27% das negras tiveram acompanhamento, ao contrário das brancas, que somam 46,2%, além de outras diferenças, quando se trata anestesias, tempo de espera e informações pós-parto, como aleitamento materno.

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A Rede de Médicos e Médicas Populares entende que todas as mulheres devem ter o poder de decidirem aonde e como querem parir. E, para isso, são necessárias novas políticas públicas de assistência ao parto – parto domiciliar, casas de parto, etc. (Foto: Reprodução)

Adital: Por que o Brasil apresenta um alto índice de cesáreas? O que estaria por trás desses números?

BS: Na verdade, fora do SUS, os índices são ainda mais assustadores. Dados do Sinasc (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos) mostram as instituições campeãs de cesárea em São Paulo. Nos hospitais campeões, as cesáreas correspondem a 96%-93%-91% do total de partos. Isto não só não é normal, como é um verdadeiro atentado contra as mulheres, contra os bebês e contra o direito do bem-nascer.

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E é por isso que partos normais, naturais, humanizados, domiciliares, são vistos com maus olhos, e os profissionais que tentam remar contra essa maré são até perseguidos. As causas são múltiplas e passam pela falta de informação e/ou desinformação, mas há, de fato, a questão de conveniência para os hospitais e planos de saúde. É a lógica da mercantilizarão da saúde que impera.

Um único trabalho de parto fisiológico, com parâmetros clínicos materno-fetais normais, pode ocupar uma sala de parto por todo um período de plantão, por exemplo. Enquanto a operação cesariana é muito mais simples em termos de tempo, dedicação e custos. E na mesma sala cirúrgica, é possível ter várias operações em um mesmo dia. Além disso, profissionais que se propõem a atender a trabalhos de parto fisiológicos devem se programar para estarem disponíveis para as mulheres por cinco semanas e não podem agendar muitas pacientes num mesmo período, ou elas podem entrar em trabalho de parto juntas. E isto acaba contaminando até o sistema público, por muitas razões.

Também passa por “esvaziar os leitos”, já que as demandas podem ser muito altas, e pela educação médica que, seguindo a lógica mercantil, vai deixando o parto normal em segundo plano, ao ponto de muitos profissionais especialistas se formarem sem nunca terem acompanhado um trabalho de parto fisiológico completo e livre de intervenções. Mas, aqui, é claro, entram também as questões de precarização do trabalho dos profissionais. Há desumanização por todo o processo e, se queremos combater a violência contra as mulheres, também temos que olhar para isso.

As excessivas e desgastantes rotinas de trabalho e a escassez de profissionais por plantão, que dificultam a assistência atenta e individualizada das mulheres, também devem ser consideradas. Para mudar esse cenário, muita coisa dentro do hospital precisa mudar junto. E fora dele também. Precisamos de mais e mais casas de parto, precisamos integrar o parto domiciliar ao SUS, precisamos de mais obstetrizes.

Em São Paulo, temos a casa de parto de Sapopemba, que é SUS, e a Casa Angela, que ainda não é SUS (está tentando virar), mas é, sem dúvida, um dos maiores exemplos de assistência integrada e humanizada ao parto. Em Belo Horizonte [Estado de Minas Gerais], por exemplo, o Hospital Sofia Feldman desenvolveu uma iniciativa pioneira de assistência aos partos domiciliares, com 100% de cobertura pelo SUS.

Se temos evidências científicas suficientes para provar que o parto normal é a melhor via de nascimento para a mãe e o bebê, e isso, ainda por cima, barateia os custos nacionais, qual seria o mal nisso? Sem indicação clínica explícita, não há justificativa para se realizar cesáreas ao invés de partos normais.

Adital: O que caracteriza uma violência obstétrica e quais os tipos mais frequentes no Brasil?

BS: Muitas pessoas já se “acostumaram” com a violência cotidiana dos serviços de saúde brasileiros. A violência obstétrica pode ser de vários níveis: negar atendimento ou impor dificuldades ao atendimento à mulher; impedir a entrada do acompanhante escolhido pela mulher; comentários constrangedores ou ofensas às mulheres; desinformação; impedir ou retardar o contato com o bebê, ou impedir o aleitamento materno na primeira hora de vida, sem necessidade médica explícita; e até o agendamento de cesáreas sem indicação clínica, sem recomendação baseada em evidências científicas, apenas para atender aos interesses e conveniências do médico ou instituição.

Os profissionais parecem ter se esquecido do quão fundamental é uma mulher saber que, dentro do “sorinho” que está recebendo na veia, há ocitocina, que a fará entrar em um processo doloroso de contrações não fisiológicas. Esqueceram de perguntar a ela se ela concorda. Simplesmente, esqueceram de perguntar se tudo bem fazer sucessivos e dolorosos toques vaginais, se tudo bem romper sua bolsa e quais as possíveis consequências disso, se tudo bem cortar o seu períneo na desnecessária, mas rotineira episiotomia, se tudo bem amarrá-la na maca. O que está havendo é uma extrema banalizaçao da violência.

Somos o país campeão de cesáreas do mundo, então, certamente, o agendamento de cesáreas sem real indicação é uma das violências obstétricas mais frequentes no Brasil. E sempre com base nos “mitos da cesárea” e na desinformação das mulheres, como, por exemplo: falta de dilatação, circular de cordão umbilical, placenta envelhecida, “não entrou em trabalho de parto” e muitas outras. Nada disso é indicação real de cesárea. A qualidade da placenta isolada de outros achados clínicos não tem significado. A circular de cordão ocorre em 40% dos partos. O cordão é elástico e não será, facilmente, ocluído em circulares, se for o único achado, definitivamente, não justifica cesárea – e a circular de cordão deve ser desfeita após o nascimento, em qualquer via de parto, normal ou cesárea.

A falta de dilatação e “não entrou em trabalho de parto”, tecnicamente, não ocorrem em mulheres normais, só ocorrem quando o médico não espera o tempo suficiente. Muitos protocolos brasileiros se baseiam nos conceitos de Friedman e de Philpott e Castle, para o registro do partograma, determinar a evolução “normal” do parto, e os “momentos de alerta” e “ação” dos médicos. Mas, além desses estudos serem antigos e relativamente pequenos, eles não contribuíram para atingir os objetivos preconizados pela OMS: redução das taxas de cesáreas e diminuição da mortalidade materno-fetal.

Falamos, sempre, de Medicina baseada em evidências, mas, principalmente na obstetrícia, continuamos seguindo dogmas que só violentam as mulheres, sem nenhuma ciência que respalde. A benefício de quem?

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Segundo a médica Bruna Silveira, as mulheres negras recebem menos tempo de atendimento médico do que as mulheres brancas e são as maiores vítimas da mortalidade materna no Brasil. Em relação ao parto, somente 27% das negras tiveram acompanhamento, ao contrário das brancas (46,2%). (Foto: Reprodução)

Adital: Como a mulher deve proceder caso ocorra violência com ela?

BS: A pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, de 2010, da Fundação Perseu Abramo, mostra que uma em cada quatro mulheres brasileiras já foi vítima de violência obstétrica. No Brasil, a violência obstétrica não é crime, como ocorre na Argentina e na Venezuela. Mas as mulheres vítimas de violência obstétrica, se assim desejarem, podem buscar as medidas judiciais e denunciar o caso.

A Defensoria Pública de São Paulo tem feito um ótimo trabalho no combate à violência obstétrica. A orientação é que a mulher exija cópia do seu prontuário junto à instituição de saúde onde foi atendida (documentação que pertence à paciente, podendo ser cobrado apenas o valor referente aos custos das cópias). Procure a Defensoria Pública, independentemente se o caso ocorreu em serviço público ou privado, e/ou ligue para o 180 (Violência contra a Mulher) ou para o 136 (Disque Saúde).

Muitas iniciativas surgem por todo o Brasil para defenderem e darem apoio às mulheres vítimas dessa violência. A ONG Artemis criou um “mapa colaborativo” de violência obstétrica para que as brasileiras registrem casos de desrespeito.

Adital: O que caracteriza um parto humanizado e por que ele sofre preconceito por algumas vertentes, que, em geral, culpabilizam a mulher pela escolha?

BS: A humanização não se trata de abraço, paredes coloridas, cartões de pré-natal com desenhos ou a infantilização das mulheres (“mãezinhas”). A humanização é o respeito profundo à autonomia das mulheres, o que também envolve transparência e honestidade das ações, com informações adequadas, atualizadas e baseadas em evidências.

No parto humanizado, nenhum procedimento é rotineiro: as intervenções são feitas de forma criteriosa e apenas quando realmente necessárias. Em geral, o médico é a autoridade no parto, pois “estudou para isso”. E a mulher é a figura passiva. No movimento de humanização do parto, a mulher é protagonista do próprio parto e deve participar, ativamente, das decisões, em parceria com os profissionais que lhe dão assistência. No parto humanizado, a mulher é incentivada a se informar e a fazer suas próprias escolhas. Seus desejos são acolhidos e respeitados.

E, sobre essa culpabilização, que mais me parece mais uma desculpa para seguir nessa lógica, temos pesquisas demonstrando que a grande maioria das mulheres inicia o acompanhamento da gestação querendo parto normal, e esse número, realmente, é modificado durante o processo pela verdadeira cultura de medo que há sobre o parto. As mulheres são constantemente desestimuladas a terem um parto normal: “nossa, como você é corajosa”, “tem certeza?”, “apenas se estiver tudo bem será parto normal”. E o mesmo não ocorre com as cesáreas. Essa realidade precisa ser invertida: “apenas em último caso, se tivermos alguma intercorrência, o que não é o mais comum, você terá uma cesárea”. Essa cultura precisa ser transformada.

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No caso de violência obstétrica, a orientação é que a mulher exija cópia do seu prontuário junto à instituição de saúde onde foi atendida, procure a Defensoria Pública independentemente se o caso ocorreu em serviço público ou privado e/ou ligue para o 180 (Violência contra a Mulher) ou para o 136 (Disque Saúde). (Foto: Reprodução)

Adital: Fora do Brasil, existem experiências positivas que podem funcionar como referência de políticas públicas para uma orientação mais humanizada do parto?

BS: Sim, muitas! O Canadá, a Nova Zelândia, a Inglaterra, a Holanda… Muitos países podem nos servir de referência. Na Holanda, cerca de 35% dos nascimentos ocorrem em casa. A taxa de cesárea é menor do que 10% e a gravidez não é patologizada, tende a ser vista como uma fase especial na vida de uma mulher, assim como o parto, visto como um processo normal. Os partos de baixo risco são acompanhados por obstetrizes, em domicílio ou no hospital. Os cirurgiões-obstetras acompanham apenas os partos de maior risco ou complicados. Lá e em muitos outros países, o sistema de saúde é realmente estruturado de acordo com os riscos e complexidade. Obstetrizes e médicos de família acompanham gestações de risco habitual, com o parto ocorrendo no local que as mulheres desejarem (domicílio, casas de parto ou hospitais), enquanto os cirurgiões-obstetras acompanham as gestações e os partos de alto risco dentro do hospital.

Adital: Quais são os profissionais legitimamente amparados e tecnicamente habilitados para o exercício da assistência ao parto no Brasil? As doulas e parteiras são reconhecidas?

BS: Estão legalmente amparados para a assistência ao parto no Brasil médicos, enfermeiros obstetras e as obstetrizes. Os médicos obstetras são os únicos habilitados para os partos cirúrgicos. O problema é que, em geral, a formação dos mesmos os habilita plenamente apenas para essa assistência intervencionista e os partos cirúrgicos. Então, os obstetras que se propõem a acompanharem partos fisiológicos livres de intervenção, precisam se capacitar e se atualizar de outras formas. E isso precisa mudar desde o currículo da graduação de Medicina e Enfermagem.

Doulas não estão habilitadas a darem assistência ao parto. A doula não executa qualquer procedimento técnico, não faz exames, não cuida da saúde da mãe ou do recém-nascido, e não substitui os outros profissionais. A doula cuida, especificamente, do bem estar físico e emocional da mulher durante a gestação e o trabalho de parto. Apesar disso, a atuação das doulas é de extrema importância, e as pesquisas têm mostrado que pode reduzir as taxas de cesárea, a duração do trabalho de parto, os pedidos de anestesia, o uso da ocitocina e fórceps.

As obstetrizes também são chamadas, muitas vezes, de parteiras. Mas, em relação às parteiras tradicionais, sinceramente, eu não sei como isso se dá legalmente. Sei que, se não há lei que proíba, não é crime. E sei que elas cumprem um papel fundamental nesse nosso país continental. Segundo o Datasus [Sistema de Informação do Ministério da Saúde], são realizados, anualmente, no Brasil, em média, 41 mil partos domiciliares, e desses a maioria é assistido por parteiras tradicionais.

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A médica Bruna Silveira explica que a humanização no parto não se trata de abraço, paredes coloridas ou a infantilização das mulheres (“mãezinhas”). A humanização seria o respeito profundo à autonomia das mulheres, o que também envolve transparência e honestidade das ações. (Foto: Arquivo Pessoal)

Adital: Como avalia a relação da grávida com o médico na construção de confiança para escolher o método mais adequado de parto, de acordo com suas próprias condições (econômica, cultural, de saúde, psicológica)?

BS: A relação da mulher com todos os profissionais (médico, obstetriz ou doula) envolvidos é de extrema importância nesse processo de escolhas. Se a gestante é vista como passiva diante do processo do parto, é considerada uma “paciente” e, como tal, é esperado que aceite as decisões impostas por quem estiver no comando da situação. Mas, se é vista como sujeita ativa do processo, compartilha todas as decisões com a equipe, com respeito, autonomia e transparência. Como deve ser.

O que, infelizmente, acontece no SUS é que, em geral, os profissionais que acompanham o pré-natal nas Unidades Básicas de Saúde não estarão presentes na assistência ao parto, que são, muitas vezes, hospitalares. E é, principalmente por isso, que o papel dos profissionais da assistência pré-natal de baixo risco (médicos de família e comunidade e enfermagem) é tão fundamental.

As mulheres podem e devem escrever um plano de parto, mesmo para o hospital, e exigir que sejam respeitadas. Quanto mais as mulheres tiverem acesso às informações, mais estarão apropriadas sobre o assunto, serão sujeitas ativas do próprio parto e estarão mais preparadas para saberem o momento certo de ir ao hospital e com mais propriedade para evitarem intervenções desnecessárias. O ideal seria, claro, que ninguém precisasse “lutar” para não ser violentada. Mas, infelizmente, isso faz parte desse processo de mudança cultural.

Legenda 6: Segundo o Datasus [Sistema de Informação do Ministério da Saúde], são realizados, anualmente, no Brasil, em média, 41 mil partos domiciliares, e desses a maioria é assistido por parteiras tradicionais.

Adital: Movimentos como o Sagrado Feminino visam a recuperar o empoderamento da mulher como protagonista do próprio parto. Você avalia que esse tipo de ideia tem espaço para se ampliar no atual sistema médico?

BS: Pessoalmente, eu gosto bastante dos movimentos de Sagrado Feminino. Mas entendo que não se trata de um conhecimento baseado em evidências, e nem tem a pretensão de ser. De qualquer forma, acho que cabe a cada mulher dizer se isso faz sentido para ela ou não. Para essa decisão, ela precisa ter informação e, inclusive, saber que não há base científica nesse conhecimento. Assim como ainda não há base científica, ao contrário do que muitos pensam, em muito do que a Medicina ainda faz e diz. E, se for de sua escolha seguir essa ou qualquer outra ideia, por que não?

De qualquer modo, a própria ciência já começa a se voltar para as questões de vivências, experiências e emoções na determinação dos processos de saúde-doença. Tenho plena convicção de que o empoderamento da mulher como protagonista e essa reconexão são fundamentais para o processo da gestação e parto. Mais do que isso: para todas as questões de saúde e autocuidado.

Cristina Fontenele

Acesse no site de origem: Violência obstétrica: a (des)humanização e a mercantilização da saúde (Adital, 09/10/2015)

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