(El País, 13/06/2016) Visibilidade deixa os homossexuais mais livres e, paradoxalmente, os tornam um alvo mais fácil de ataques
Foi preciso percorrer muito caminho nos Estados Unidos ao longo de décadas para que uma variada comunidade de lésbicas, homossexuais, bissexuais e transexuais (LGBT) pudesse reunir-se num sábado à noite, sem esconder-se, em uma boate de uma cidade socialmente conservadora do sul do país, como é Orlando, para desfrutar de uma bebida e um pouco de música no fim de semana em que boa parte do país celebra o Orgulho Gay.
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Em um desses locais, a casa noturna Pulse, morreram pelo menos 50 pessoas a tiros na madrugada deste domingo, alvo fácil de um radical armado até os dentes. Não é preciso esperar que a polícia conclua suas investigações. Com os fatos já basta: é uma matança, a primeira em décadas, em uma boate gay.
Orlando é um claro exemplo do muito que o país evoluiu desde que em 1969 um grupo de homossexuais e lésbicas começou a manifestar-se contra a repressão policial no pub Stonewall, de Nova York. Naquele momento os que demonstravam abertamente sua homossexualidade se tornavam proscritos, sujeitos a discriminação legal em todos os âmbitos imagináveis, desde a saúde até o emprego ou o Exército.
Meses depois dos distúrbios de Stonewall era inaugurado em Orlando o Walt Disney World, um dos maiores parques temáticos do mundo, consagrado à sublimação de algo tão conservador como o núcleo familiar, onde os príncipes buscavam formosas donzelas e estas sonhavam em ingressar na realeza pela via do casamento.
Hoje, até a DisneyWorld celebra dias gays neste mês de junho. Qualquer membro da comunidade LGBT pode entrar nesse vasto parque temático de Orlando para divertir-se abertamente, exibindo camisetas vermelhas para demonstrar que os conceitos de normal ou de família podem ser muito variados. É certo que a Disney não organiza oficialmente esse dia, mas o aceita com uma silenciosa solidariedade, abrindo os braços e suas caixas registradoras às dezenas de milhares de membros da comunidade LGBT que vão a Orlando nesses dias.
Pareceria, portanto, que os EUA haviam chegado à igualdade plena. Têm até pela primeira vez um presidente que apoia o casamento gay! A Suprema Corte até reconheceu o direito de os homossexuais se casarem, com todos os benefícios e obrigações que a lei estipula. Mas nada mais longe. E não por uma questão de direitos e liberdades, mas de aceitação social.
Voltemos à Disney como empresa que abriu caminho com um tratamento especial aos gays. Há três meses ameaçou deixar de fazer negócios com o Estado da Geórgia se o governador sancionasse uma lei que permitiria, por um lado, funcionários do registro civil a se negarem a oficiar uniões entre pessoas do mesmo sexo, por objeção de consciência e, por outro, organizações religiosas de despedir pessoas por sua condição sexual. Essa lei não é um episódio isolado. É uma cópia, de fato, de outra que tentaram aprovar no ano passado no Estado de Indiana.
O caso é que as leis podem ter avançado e que nas grandes cidades, como San Francisco, Nova York, Los Angeles e Washington, se possa viver a própria homossexualidade com liberdade, mas o que deveria ser normal é ainda considerado tratamento especial. Para que dois homens ou duas mulheres se deem a mão ou se beijem em público, a Disney não deveria precisar de um dia específico para os gays, como se essa comunidade devesse ficar contida em seu próprio perímetro.
Em algum momento no futuro será preciso ir mais além: se de verdade houvesse aceitação e normalidade social não seriam necessários os milhões de bares que há no mundo, como o Pulse, um lugar no qual foi tão fácil cometer um massacre. Os gays deveriam poder mostrar-se como tais onde quer que fosse, sem medos, sem riscos, sem agressões.
No momento, porém, isso é uma utopia, e não só nos EUA, mas também em países mais avançados em direitos LGBT, como a Espanha. Até que esse dia chegue será necessário que a comunidade gay tenha seus espaços de proteção e afirmação: dias especiais em parques temáticos, boates como a Pulse, manifestações do Orgulho Gay. E, no final, pouco mudaria que um radical, por motivos que logo as autoridades revelarão, abrisse fogo nessa casa noturna ou em qualquer outra, matando dezenas de pessoas, qualquer fosse seu sexo ou condição. Para esse tipo de loucura não há distinções que cheguem.
David Alandete
Acesse no site de origem: Atentado em Orlando: um golpe para a comunidade homossexual (El País, 13/06/2016)